Percy Jackson nunca quis ser um meio-sangue, muito menos carregar o protagonismo de um fenômeno literário infanto-juvenil. No entanto, isso não apenas aconteceu, como também explodiu em sua frente. Nos cinemas, uma adaptação distante do material original desagradou o autor Rick Riordan, que passou os anos seguintes prometendo mudar o jogo e levar sua criação de volta ao olho do furacão. Com a Disney, ele conseguiu.
Na forma de uma temporada de oito capítulos que adaptam O Ladrão de Raios, romance publicado em 2005, a série alcança a quase-perfeição. Riordan vestiu o chapéu de produtor televisivo, e além de criar Percy Jackson & the Olympians, junto de Jonathan E. Steinberg, também assina boa parte dos roteiros.
Prolífico na Literatura, onde deu vazão a uma porção de sagas baseadas nas mais diversas mitologias, sua transição para a TV, e nesse caso, o streaming, foi menos suave que o ideal. Os elementos literários estão ali no seriado, dos títulos dos capítulos, até os mínimos detalhes, como as comidas azuis e os colares de contas.
Ausente é a experiência de alguém familiar ao formato que uma produção seriada, exibida semanalmente, demanda. Do outro lado da balança, o também produtor, criador e roteirista Steinberg tampouco nivela a equação, com pouco a dizer no quesito de autoralidade e estética. Falta qualquer marca de personalidade.
Não dá para esconder: a série de Percy Jackson é feia. Feia de olhar, com o uso abrasivo do “volume”, que escurece toda sequência e despe os atores de vitalidade em suas interpretações. Feia também na iluminação e no design de produção, que registra-se envergonhado da mão “infantil” que comanda a mitologia, deixando sóbrio tanto o diverso Acampamento Meio-Sangue, quanto homogeneizando o que resta das locações. O covil da Medusa, o parque de diversões de Hefesto, a praia de Ares e o submundo de Hades: tudo parece fazer parte do mesmo balaio.
O orçamento avantajado parece ter sido disparado nos aparatos técnicos, com sets construídos para que o jovem trio pudesse sentir na pele as desventuras e a missão do Oráculo. Percy Jackson ganha vida por Walker Scobell, muito concentrado nas reações dramáticas e no tempo das piadas, colocando em tela uma versão fidedigna do herói, e tirando da boca o azedume que a personificação de Logan Lerman perdurou todos esses anos na cultura pop.
Sua cara-metade é Annabeth Chase (Leah Jeffries), a filha de Atena e também quem melhor se livra das artimanhas batidas do texto. Por ela, o público enxerga o mundo dos monstros e deuses com doses iguais de cinismo e esperança. Grover Underwood (Aryan Simhadri) completa o time, e também se joga na bagunça que envolve sua jornada pessoal: de jovem sátiro em busca do Deus Pã até o elo emotivo do grupo.
A trama, como dito, é igual a do livro: Percy descobre ser semideus, perde a mãe, chega ao Acampamento, conhece os amigos e parte na missão de devolver o Raio-Mestre de Zeus (Lance Reddick) para impedir a Guerra entre os super-poderosos. No caminho, ele topa com as mais malucas criaturas e figuras divinas, mostrando bom humor e disciplina ao derrotar ou enganar cada peça que o afasta de Sally Jackson (Virginia Kull).
O que tornou a série literária dos Olimpianos um sucesso, além é claro do frenesi público que tomava conta do mercado frente ao sucesso de um bruxo com raio na testa, foi a sensação de crescimento e evolução que Percy provocava nos leitores. Ele inicia sua odisseia aos 12 anos e vai amadurecendo e assumindo novos compromissos e riscos livro a livro. E por mais que a produção do Disney+ faça tudo à moda do autor, falta a ela a fagulha de vitalidade dos romances.
Seja nas interações individuais, como o nascimento do futuro romance Percabeth, ou mesmo nas aparições-relâmpago dos deuses do Olimpo, sempre caricatos e imprevisíveis, o seriado segue os passos mas não transfere deles a alma e a paixão. Referências são feitas, apelidos são citados e traições acontecem, mas Percy Jackson, como série, não faz justiça ao mundo que Riordan recriou com base na Grécia Antiga.
Até mesmo o time de elite de atores veteranos, a começar por Glynn Turman como o centauro Quíron, até Megan Mullally como Alecto, Jason Mantzoukas como Senhor D, Adam Copeland como Ares, Lin-Manuel Miranda como Hermes e Jessica Parker Kennedy como Medusa, não recebe tração suficiente para empolgar ou se divertir em tela.
Ao final do oitavo capítulo, a série dedica sua produção à memória do eterno Lance Reddick, intérprete de Zeus que morreu em 2023. Pena que sua participação, ocorrida justamente no episódio conclusivo, não passe de uma nota de rodapé, nem tenha oferecido a ele um texto à altura de seu grande alcance dramático (como visto em John Wick ou como o Papa Legba de Coven), mas sim mantido o sistema de piloto automático replicado para todo o restante.
É certo que o primeiro livro carrega as situações mais “mundanas” da saga e a temporada o segue à risca. Daqui para a frente, Percy e amigos crescem tanto dentro quanto fora das páginas, de forma fantasiosa e dramática, visitando cenários inóspitos e lidando com criaturas ferozes. Após a Disney confirmar a produção de mais aventuras, com o anúncio da adaptação de O Mar de Monstros, o futuro parece aberto para o semideus filho do mar. Resta saber se Riordan possibilitará que seu filho mais querido ganhe corpo e forma à maneira que a TV necessita. Na dúvida, oremos por Póthos.
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