Sereias funciona melhor quando puxa para o ridículo

Com 4 indicações surpresa ao Emmy 2025, minissérie da Netflix ilumina ótimas atrizes em roteiro indeciso

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Na mitologia, as sereias eram vilãs cruéis, destinadas a hipnotizar e afogar os gananciosos homens que as procuravam pela beleza e pelo lascivo fator carnal. Na minissérie da Netflix, a criadora Molly Smith Metzler inverte a lógica histórica e coloca quem assiste em pé de igualdade à protagonista.

Devon (Meghann Fahy) nunca se sentiu feliz ou realizada na cidade de Buffalo, onde mora com o pai sênil e acumula farras e traições, namorando por fora o chefe casado Ray (Josh Segarra). Quando, depois de outra prisão por dirigir alcoolizada, ela manda a mensagem-código para a irmã e não recebe resposta, decide tomar controle do destino.

Antes de Sereias, Molly Smith Metzler trabalhou na minissérie Maid, além de ter Orange is the New Black e Shameless no currículo (Foto: Netflix)

Simone (Milly Alcock) trabalha numa paradisíaca residência praiana como assistente de Michaela (Julianne Moore), uma ricaça que gere um santuário de aves e gasta a fortuna do marido em bailes de gala e na folha de pagamento de centenas de funcionários. Fora de casa desde que largou a faculdade, Simone cortou laços com o pai, relapso no passado e quem a perdeu na briga pela custódia na justiça.

No encontro indesejado entre irmãs, fica claro que Simone está metida em algo incomum. Ela apagou a laser as tatuagens, trocou o estilo de roupa e de atitude, e vive para servir Kiki, o apelido que só ela tem direito de usar com a empregadora. Devon suspeita de um culto, ou uma seita muito bem organizada, que se esconde atrás dos pássaros e das vibes positivas que envolvem empregados impedidos de comentar o ambiente e até uma ex-esposa desaparecida.

Depois de fazer uma participação pequena em Superman, Milly Alcock continua se provando uma atriz de calibre, desta vez vivendo uma jovem em constante negação do passado traumático (Foto: Netflix)

Sereias, portanto, mira numa miríade de realidade e ficção que combina com os sons idílicos e a sirene alta que serve de trilha sonora, junto das ondas que quebram na praia e dos ganidos animais. Por outro lado, a atitude séria e sem tempo para brincadeira de Devon aterra a série num campo dividido.

Quem são as sereias que nomeiam a produção? Michaela comanda um exército de donas de casa dondocas com talões de cheque sem limite máximo. Simone encanta Ethan (Glenn Howerton), um quarentão que queima a própria herança sem ver a quem. E Devon, tentando fugir do álcool, troca a garrafa pelo sexo rápido com qualquer homem disponível, não demorando para reunir um trio de don Juans que a segue onde for preciso.

Julianne Moore arrasa no último episódio, Siren Song, quando a tragédia se repete e Michaela é despida do oásis, obrigada a navegar pelo mundo como uma pessoa comum (Foto: Netflix)

Porém, na raiz de todo mal, cresce a figura de Peter (Kevin Bacon), o dono da propriedade e detentor do dinheiro e do poder. Ele é relaxado, não entra na pilha de Michaela e comanda o castelo com calmaria e muita autoridade. Jose (Felix Solis), o motorista que também atua como faz-tudo e seu braço-direito, deixa claro para a patroa que, apesar de tudo, quem dá as cartas ali é o senhor Kell.

Em cinco episódios, Sereias brinca com o horror situacional só para entender, tarde demais, que a história muito mais se beneficia do humor que divide as classes sociais. Quando Bruce (Bill Camp), aparece por acaso no local, as filhas reagem mal – mas o roteiro finaliza a alquimia que toda “série limitada de prestígio” quer criar para si.

Devon conquista os homens que encontra: Josh Segarra cuida do pai doente dela, enquanto o capitão do navio Jordan (Trevor Salter) oferece uma viagem pela costa do país [Foto: Netflix]

A primeira temporada de The White Lotus reconfigurou a mente dos produtores de Televisão, que tentam incessantemente recriar a atmosfera paradisíaca que contradiz os temas violentos e inescrupulosos do roteiro. Aqui, os ricos não são perseguidos e exterminados: Simone quer se juntar à mesa, e Devon quer entender o limite entre o proveito e o abuso. 

No episódio 4, Persephone, os personagens se reúnem num jantar desconfortável e terrivelmente cômico, tirando da cena o melhor que Sereias propicia em sua total duração. É interessante ver os pobres coitados de Buffalo enxergando a vida boa que o 1% desfruta sem perceber; isto, é claro, aliado ao olhar de pena e ambivalência que Peter e cia despejam nos hóspedes. 

Kevin Bacon interpreta um homem experiente na arte de dominar as situações e os relacionamentos, revelando o lado maléfico – e hipnotizante – de seu império imaterial (Foto: Netflix)

Baseando-se numa peça de teatro, Elemeno Pea, escrita por ela mesma, Metzler recruta para a direção três nomes distintos: Nicole Kassell (de Watchmen e The Leftovers), Quyen Tran (de The Pitt) e Lila Neugebauer (de Passagem e Maid). As mulheres navegam pela atmosfera difusa da produção, vertendo para o quê teatral das discussões e dos cenários, que são poucos e costumeiramente são preenchidos por conversas e brigas comedidas. 

De maneira surpreendente – e sem o apoio de grandes veículos ou campanhas recheadas de eventos, Sereias apareceu em 4 categorias do Emmy 2025: Direção, Montagem e Figurinos Contemporâneos, para o episódio Exile, e Melhor Atriz em Minissérie para Meghann Fahy. Superando séries tidas como favoritas, o conto de mistério e riquezas da Netflix encantou, também, os votantes da Academia. 

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