O ano é 2012 e o fim do mundo ainda demoraria um pouco mais para chegar. Mas isso não impediu que a Capcom capitalizasse no nosso medo latente do apocalipse e lançasse mais um capítulo de sua franquia clássica de terror (que de uns tempos pra cá de terror só tinha nome). Resident Evil 6 apresentava mais uma vez seus heróis lutando contra as forças do bioterrorismo, novamente orquestradas por poderes secretos, só que dessa vez em uma escala nunca antes vista. Com uma trama que vai do coração da América até guerras civis no Leste Europeu e a uma grande metrópole chinesa, a mensagem já estava dada: o mal agora é global.
História demais para um protagonista, mas talvez não para seis. Isso mesmo, o sexto título principal da franquia mergulhava de cabeça no excesso e oferecia não uma ou duas, mas três campanhas independentes completamente jogáveis em single player ou modo cooperativo de dois jogadores. Um projeto ambicioso que levou dois anos e o maior time de desenvolvedores da empresa até então, RE6 foi um sucesso relativo de vendas e não muito mais, recebendo opiniões negativas tanto de fãs da franquia quanto da crítica especializada.
Até hoje considerado a ovelha negra da série, há muito o que dizer sobre Resident Evil 6. Se por um lado ele é uma sequência direta das mudanças que a franquia vinha sofrendo desde o quarto título, por outro ele também é uma celebração bagunçada de todos os aspectos que fazem de Resident Evil ser o que é. Seus sucessos e seus fracassos marcam uma etapa de maturidade da série, que completava 16 anos na época de seu lançamento.

Após os ataques bioterroristas na Europa e na África, o mundo inteiro parece prender a respiração, esperando pelo próximo desastre. Enquanto as superpotências se preparam para as casualidades de um novo tipo de guerra, o então presidente dos Estados Unidos toma a decisão inusitada de revelar ao resto do mundo o papel do governo americano em acobertar a destruição de Raccoon City e sua responsabilidade como parte da clientela da Umbrella. Antes que ele possa fazer isso, contudo, um novo surto de mortos-vivos assola a cidade de Tall Oaks, onde ele havia convocado uma coletiva de imprensa. Seu amigo próximo, o super agente Leon Kennedy (Matthew Mercer), é um dos únicos sobreviventes do ataque, ao lado de Helena Harper (Laura Bailey), uma oficial do Serviço Secreto que diz ter respostas sobre o que aconteceu à cidade.
Do outro lado do globo, na província chinesa de Lanshiang, o lendário Chris Redfield (Roger Craig Smith) volta ao papel de liderar as forças da B.S.A.A. (Bioterrorism Security Assessment Alliance, ou Aliança de Segurança e Avaliação em Bioterrorismo) na guerra contra armas biológicas, após passar um tempo afogando mágoas e memórias reprimidas no fundo de uma garrafa. Auxiliado pelo franco-atirador Piers Nivans (Christopher Emerson), os dois perseguem a fugitiva Ada Wong (Courtenay Taylor), procurada em conexão com os recentes ataques na Edonia, uma república europeia em guerra civil. Lá, a já adulta Sherry Birkin (Eden Riegel) busca pelo paradeiro de Jake Muller (Troy Baker), um misterioso mercenário que parece ser imune aos efeitos do novo C-Vírus. Correndo contra o tempo, os dois são perseguidos por uma criatura monstruosa sob o controle de uma entidade conhecida como “A Família”.

Dizer que a trama de Resident Evil 6 é bagunçada não faz jus à descoordenação total de seu enredo, que traz de volta alguns dos maiores personagens da série, introduz novos e mal tem tempo de fazer alguma coisa com nenhum dos dois. A ideia de fazer uma série de campanhas interconectadas é certamente ambiciosa, assim como o projeto de sua implementação, fazendo com que todas se cruzem em algum momento e produzam o tipo de sentimento causado por crossovers em filmes de heróis: estamos vendo alguns desses personagens interagindo pela primeira vez após anos, afinal de contas. No entanto, há pouquíssima substância para sustentar essa abordagem tríplice, que acaba impedindo que cada uma das narrativas seja suficiente por si própria.
Em uma das cenas mais aguardadas do jogo, Leon e Chris se enfrentam brevemente quando os dois estão perseguindo Ada pelas ruas de Lanshiang. Após um impasse tenso, os dois seguem caminhos distintos e exemplificam o problema de RE6 ao simultaneamente oferecer cenas exclusivamente voltadas para o fanservice ao mesmo tempo em que não oferece tempo o suficiente para que fã algum esteja servido. Os momentos em que as campanhas se cruzam são, em sua grande maioria, ausentes de emoção genuína já que a maioria dos personagens ficam se perguntando o que diabos suas contrapartes estão fazendo ali.

Cada uma das campanhas busca trazer de volta um aspecto icônico da franquia: a de Leon e Helena (considerada por muitos a melhor) traz de volta o zumbi clássico da série, evocando em seu cenário inicial a atmosfera de Resident Evil 2 e até mesmo trazendo alguns quebra-cabeças leves para completar o quadro. Apesar disso, a história começa com um prólogo de seu capítulo final envolvendo um jato de combate explodindo e um helicóptero passando de raspão pelo vagão de um trem antes de se chocar contra um edifício. Não se engane: não há terror à ser encontrado em nenhum canto de Resident Evil 6.
A jornada de Chris e Piers é, de muitas maneiras, a que mais se assemelha ao jogo anterior, adotando uma estética militar para contar a história dos soldados lutando na linha de frente contra o bioterrorismo. Usando metralhadoras, rifles de precisão e lança granadas, é a campanha mais bombástica das três, culminando com uma batalha contra o maior monstro da história da série. Os fantasmas do passado de Chris e suas memórias perdidas são o catalisador da narrativa, formando um de seus capítulos mais emocionantes, apesar de passar pouco tempo explorando suas repercussões. A ausência de Sheva Alomar, parceira de Chris nos eventos do jogo anterior, é alarmante para dizer o mínimo. Piers é um personagem introduzido e retirado tão subitamente da trama que é impossível não notar o quão melhor a agente da B.S.A.A. teria se encaixado como suporte dessa narrativa.
Finalmente, Sherry e Jake precisam escapar da guerra civil na Edonia enquanto são perseguidos por “Ustanak”, uma criatura gigantesca que muito claramente emula a presença ameaçadora de Nemesis em Resident Evil 3, mas não é nem de longe tão icônico quanto o nosso mutante monossilábico favorito. Ironicamente, o mais marcante dessa parte de Resident Evil 6 é o retorno de Sherry, a filha de dois cientistas da Umbrella que virou órfã depois dos eventos em Raccoon e, assim como muitos dos protagonistas, passou a dedicar sua vida para a luta contra o armas biológicas. Sua química com Jake é um dos pontos altos do título, que tão raramente oferece oportunidades para seus personagens se conectarem uns com os outros.

Se Resident Evil 5 foi uma tentativa de abrir as portas da franquia para um público maior, o sexto título buscou simplificar ainda mais os sistemas de RE4, dando mais mobilidade aos jogadores e retirando as mecânicas mais disruptivas da série. Isso significa que Resident Evil 6 é simultaneamente uma celebração dos quase 20 anos de jogos da franquia ao mesmo tempo em que nega elementos essenciais à sua fórmula. Esse conflito torna seu caso interessante, mas produz um dos jogos menos coerentes da franquia até hoje, ferido por uma guerra interna entre um futuro que nunca veio e um passado impossível de se ignorar.
Resident Evil: Revelations, lançado para o Nintendo 3DS mais cedo no mesmo ano, não foi um sucesso completo de vendas, mas ofereceu um vislumbre do que um título moderno da série poderia ser, combinando novas adições com a atmosfera clássica, modernizando a experiência enquanto preservava sua identidade. A esperança de que esse design se estendesse até o lançamento do título principal em outubro foi em vão, já que Resident Evil 6 simplesmente não sabe o que quer ser. A ânsia por ser um produto que agrade à todos infelizmente leva à uma obra que apela para muito poucos.

Apesar disso tudo, Resident Evil 6 está bem longe de ser um jogo ruim. As simplificações de seu combate tornam mais fácil se sentir um herói de filme de ação, misturando o uso de armas com golpes marciais devastadores para controlar o ritmo da luta mesmo em frente à uma legião de mortos vivos. O manejo de itens é mais simples do que em Resident Evil 5 e o inventário dos parceiros é misericordiosamente separado do seu, impedindo muitas das frustrações de seu antecessor. De fato, apesar de ser um jogo cooperativo menos impressionante, as adequações feitas para o modo single player são um bálsamo para o gameplay como um todo, deixando a ação momento a momento muito mais fluída e equilibrada.
Se você se divertiu jogando os últimos dois títulos da série, as chances são de que você vai gostar de Resident Evil 6 em algum momento, afinal o título joga tanta coisa na parede que é impossível que algo não acerte. Apesar disso, o jogo sofre por sua extensão. São poucos os que têm paciência de completar suas três campanhas e ainda adentrar numa quarta, apenas disponível ao se completar a narrativa inteira pela primeira vez. O modo Mercenários, já característico da franquia a esse ponto, perde bastante de seu charme graças à facilidade de sua jogabilidade: os estágios não são mais quebra-cabeças para se acostumar com as mecânicas ou treinar os sentidos, mas sim arenas para atirar em tudo que se move. Mesmo com uma variedade de personagens e cenários, não é uma adição tão valiosa ao conteúdo geral do pacote.
A versão remasterizada do jogo, disponível para PCs e consoles da atual geração, reforça o esmero de seus desenvolvedores e a qualidade gráfica de Resident Evil 6, bem como o trabalho louvável de seus artistas em elaborar a variedade de cenários e suas intersecções nas diversas histórias. Mesmo em 2025, o jogo continua a ser um deleite para os olhos, principalmente à noite, em que seus efeitos de iluminação fazem as cores de Lanshiang e Tall Oaks vibrarem.

O legado de Resident Evil 6 é complicado: mesmo com todas as suas falhas, ele ainda é um jogo extremamente divertido de se jogar com um amigo ou mesmo sozinho. Seu combate e seus visuais não envelheceram tão radicalmente quanto os de RE4 ou RE5, mas mesmo assim suas várias campanhas são as que oferecem menos apelo para serem revisitadas, graças ao seu enredo caótico e a pouca profundidade oferecida aos seus personagens. E, ainda assim, é estranhamente satisfatório revisitar seus fracassos e testemunhar o ponto final das tendências que a franquia vinha seguindo no novo milênio. Se por nada mais, sem Resident Evil 6 nós certamente não teríamos o atual período de renascença que a marca se encontra, produzindo novas versões de seus clássicos enquanto ainda puxa a narrativa para frente.


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