Retrospective Evil: nem ótimo, nem terrível, Nemesis

Você quer “estrelas”?

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Cena do jogo Resident Evil 3: O mutante Nemesis brande ameaçadoramente um lança-chamas pela tela, da esquerda para a direita. Nemesis é um monstro humanóide de pele bege e esticada, careca, coberto por um tecido plástico negro com tubos por cima de seu peito. Em sua cara, vemos um olho esquerdo pálido aberto e sua bocarra aberta em um grito. Ele segura a arma com a mão esquerda, formando um arco na parte de baixo da tela. Por entre as chamas, vemos o resto de seu corpo e o fundo escurecido da tela

Mesmo antes de ser refeito em 2020, Resident Evil 3 sempre ocupou um lugar estranho na hierarquia da franquia de terror da Capcom. O terceiro capítulo principal da série se passa durante a mesma noite da aventura de Leon e Claire, se configurando quase como uma peça companheira, narrando o surto de mortos-vivos em Raccoon City pela perspectiva de Jill Valentine, heroína original do primeiro jogo e policial fora de serviço. Originalmente feito no mesmo molde do segundo jogo e lançado apenas um anos após o mesmo, em 1999, Resident Evil 3 é um clássico caso de “se não está quebrado, não conserte”, mantendo as mesmas mecânicas que tornaram os jogos anteriores um sucesso e inovando em poucas áreas. Ao mesmo tempo, depois dele veio Resident Evil 4, considerado um dos jogos de ação mais influentes de todos os tempos, responsável por várias das mecânicas consideradas comuns em jogos modernos.

Nesse cabo de guerra entre o terror e a ação, Resident Evil 3 encontra sua âncora no antagonista que originalmente emprestava o nome como subtítulo: Nemesis. O gigante mutante não é apenas o vilão mais marcante da série, mas um dos monstros mais reconhecíveis dos videogames. Até mesmo as adaptações pouco fiéis de Paul W. S. Anderson para o cinema não ousaram mudar um “a” de seu design visual (mesmo tendo mudado todo o resto). A criatura é uma evolução formal do infame Mr. X, de Resident Evil 2, perseguindo sua protagonista ao longo de toda a campanha. Diferente dele, no entanto, Nemesis anda numa velocidade maior do que uma caminhada tranquila, empunhando várias armas de fogo projetadas especialmente para te infernizar.

De várias maneiras, o remake do jogo cai dentro da mesma posição desconfortável, enfiado entre as reimaginações do segundo e quarto capítulos, ambos igualmente aclamados em seus respectivos gêneros. Com apenas cerca de 6 horas de duração, a escolha de ser vendido pelo preço completo na época com certeza não ajudou sua recepção, além de terem sido cortados vários trechos icônicos da campanha original. O acréscimo do multiplayer assimétrico Resident Evil: Resistance ao pacote serviu pouco para contrapor a falta de conteúdo sentida pelos fãs do original. No entanto, Resident Evil 3 acerta no mesmo alvo que seu antecessor e traduz a experiência de ser perseguido pelo Nemesis com exatidão: o medo, o pânico e a fúria.

Cena do jogo Resident Evil 3: Jill Valentine para momentaneamente antes de sair da sala. Jill é uma mulher caucasiana de cabelos castanhos e curtos, usando uma regata azul e um coldre nos ombros. Ela segura no batente metálico da porta com sua mão direita, coberta por uma luva preta sem dedos. Vemos uma escopeta com cabo de madeira pendurada em seu ombro. Ela está coberta de sujeita, com cicatrizes no rosto e no ombro direito. As paredes do aposento são beges e claras.
Sua última fuga (Foto: Capcom)

Algumas horas antes de Leon Kennedy e Claire Redfield entrarem em Raccoon City numa viatura roubada e serem recebidos por uma horda de zumbis, Jill Valentine (Nicole Tompkins) já estava tendo o pior dia de sua vida; membro da divisão S.T.A.R.S. (Special Tactics And Rescue Service, ou Serviço de Resgate e Táticas Especiais) da polícia de Raccoon, ela estava planejando sua fuga da cidade quando foi atacada brutalmente pela criatura Nemesis. Escapando por um triz, ela começa sua jornada através das ruas infestadas da cidade presenciando a morte de um amigo querido, sendo jogada de um lado para o outro por explosões, dirigindo um carro para fora de um telhado e tendo seu couro salvado por um soldado da Umbrella.

A introdução de Resident Evil 3 já nos dá um gosto de que seu foco está saltando do terror e indo para a ação. Apesar de ser construído nos mesmos moldes que o remake de Resident Evil 2, suas mecânicas são sutilmente alteradas para encorajar uma atitude mais direcionada ao combate do que para a construção de tensão. O manejo de recursos ainda é importante e o número limitado de itens no inventário se mantém, mas o jogo em si é bem mais generoso com a quantidade de munição que você encontra pelo cenário e o poder que suas armas básicas conseguem obter através de melhorias. O menu não é aberto toda vez que você coleta um desses itens também, alocando-os automaticamente à um dos espaços vazios do inventário, caso haja. Todos esses elementos encorajam uma jogatina mais rápida, o que não ajuda na crítica do jogo ser muito curto.

Cena do jogo Resident Evil 3: Cercada por mortos-vivos, Jill Valentine dispara sua espingarda na frente de uma loja de donuts. JIll é uma mulher caucasiana de cabelos castanhos, usando uma camiseta regata azul e calças pretas com vários bolsos em seu cinto. No seu ombro vemos um coldre preto com alguns bolsos e alguns bolsos. Ela está com a arma erguida para cima e podemos ver o cartucho disparado sendo ejetado acima de sua cabeça. Do lado esquerdo, um dos zumbis é alvejado, sendo jogado para trás com uma névoa de sangue em sua frente. À direita de Jill, mais dois se aproximam, com os braços erguidos para agarrá-la. Na frente de Jill, outro zumbi se aproxima. Todos eles tem pele acinzentada, coberta por manchas de sangue, olhos brancos e pouco cabelo. Na frente de Jill vemos uma escada que desce e dá para um restaurante com um donut gigante e amarelo no telhado. Do lado direito da loja há outro edifício com as luzes acesas e cortinas fechadas. A loja de donuts é decorada com vários sinais neon coloridos, contrastando com a noite ao redor.
Os últimos dias de Raccoon City (Foto: Capcom)

Diferente dos protagonistas de Resident Evil 2, Jill é uma das poucas pessoas no mundo preparada para o apocalipse de Raccoon City. Sobrevivente do “Incidente da Mansão” retratado no primeiro jogo, parte dela parece esperar que algo está prestes a dar errado, e o jogo audaciosamente começa com uma sequência onírica em que Jill encara sua própria transformação em morta-viva. A trama levemente aborda sua síndrome de sobrevivente após os eventos da mansão Spencer, em que tantos de seus companheiros foram abatidos, mas é rapidamente engolida pela presença gigantesca de Nemesis. A personagem, ausente da trama principal da série desde os eventos de Resident Evil 5 (2009), não faz aqui o retorno triunfal que muito dos fãs queriam que ela tivesse, mas a modernização de seu design e o carisma que Tompkins traz para a performance reafirmam ela como um dos ícones duradouros da franquia.

Ao seu lado, Carlos Oliveira (Jeff Schine), soldado da U.B.C.S. (Umbrella Biohazard Countermeasure Service, ou Serviço de Contramedidas de Risco Biológico da Umbrella) é menos um co-protagonista do que um personagem coadjuvante que controlamos de vez em quando, mas sua química com Jill é instantâneamente cativante. A animosidade desta ao ver a insígnia da corporação maléfica em seu ombro faz com que ela desconfie imediatamente das intenções de Carlos, que vai aos poucos se provando digno de confiança. O resto de seu esquadrão, composto por vários brucutus saídos diretamente de um filme de ação dos anos 80, também são cativantes à sua própria maneira, mas acrescentam pouco à narrativa acelerada do título.

Cena do jogo Resident Evil 3: Jill Valentine dispara contra a cabeça de um zumbi dentro de um edifício. Jill é uma mulher caucasiana de cabelos castanhos, usando uma camiseta regata azul e luvas pretas, segurando uma pistola escura com as duas mãos. Na sua frente, a cabeça do zumbi é jogada para trás com o impacto da bala, mas ele permanece de pé. Sua pele é cinzenta e ele usa uma camiseta clara por cima de calças jeans, com cabelos pretos e longos. Do lado esquerdo de Jill, uma fileira de equipamentos eletrônicos cinzentos está apagada, com algumas caixas de papelão em sua frente. Atrás do zumbi, uma escada de metal escura contra uma parede de concreto, iluminada por uma lâmpada branca horizontal fixada na parede.
O que está morto pode morrer de novo: é só uma questão quantas balas são necessárias (Foto: Capcom)

Nemesis sempre foi o grande chamativo de Resident Evil 3 e o que o separa do resto dos jogos da série. Apesar de haverem outros vilões perseguidores, nenhum deles tem o mesmo tipo de presença que ele, espreitando as ruas de Raccoon enquanto sussurra o nome “S.T.A.R.S.” em um grunhido visceral. Assim como Mr. X, ele é invulnerável, podendo apenas ser atordoado durante os vários encontros, deixando alguns itens como recompensa para aqueles que ousarem bater de frente com ele. No remake, ele também é capaz de infectar outros zumbis com sua própria cepa do vírus, fazendo suas cabeças crescerem tentáculos e ficarem bem mais resistentes, no que é uma conexão inusitada com os ganados que seriam introduzidos em Resident Evil 4

Nemesis é um adversário tão devastador quanto seu antecessor, mas a mudança crucial é que o foco em combate do jogo te encoraja à achar que há uma chance. As recompensas que ele oferece são a primeira maneira que o jogo encontra de dizer isso. A segunda é o fato de que estamos jogando com Jill Valentine, e se há uma pessoa que pode acabar com a raça desse bicho, é ela. Apenas o ato de jogar com ela já te empodera à pensar mais ofensivamente do que em Resident Evil 2, onde tanto Leon quanto Claire eram peixes fora d’água naquela situação. O que te faz lembrar do Nemesis, no final das contas, não são as vezes em que você é obrigado à fugir de sua mãozona descendo na sua direção, mas àquelas em que você planta o pé no chão e a personagem solta alguma piadoca na direção dele.

Os embates contra Nemesis são esporádicos, mas sempre divertidos e bem estruturados, oferecendo tanto uma dose de desafio quanto de satisfação ao ver a criatura tendo que evoluir para lidar conosco. O último desses conflitos, que efetivamente fecha o jogo, é uma das melhores boss battles da série, uma batalha dinâmica em que tanto Jill quanto Carlos são obrigados à usar todas as cartas no deque para soterrar a criatura e frustrar os planos da Umbrella.

Cena do jogo Resident Evil 3: Jill Valentine mira na criatura Nemesis com sua espingarda. Jill é uma mulher caucasiana de cabelos castanhos, usando uma camiseta regata azul, um coldre preto nos ombros e luvas pretas. Ela, à esquerda da tela, segura a arma com as duas mãos, mirando no monstro na sua frente. Nemesis é um ser humanóide, com o corpo gigante revestido por um tecido preto coberto por tubos e amarrado em volta dos seus membros. Partes rasgadas desse tecido expõem partes do seu corpo desfigurado, coberto por chamas. Ele está com a boca arreganhada, esticando a pele de sua face e deixando aparecer os músculos de sua mandíbula. Na mão direita, ele segura uma grande arma metálica. À sua esquerda, vemos um galão vermelho ao lado de alguns caixote de madeira empilhados. Atrás dele, vemos um tecido azul e algumas treliças de ferro expostas, com chamas subindo atrás delas contra ao céu noturno.
Tomara que ele saiba nadar (Foto: Capcom)

No final das contas, o remake de Resident Evil 3 se encaixa num lugar tão desconfortável quanto o jogo original, sanduichado entre duas revisões aclamadas de textos fundamentais do meio, com apenas personalidade o suficiente para se diferenciar delas. O fato dele vir depois depois do sucesso decisivo de Resident Evil 2 também não ajuda ao avaliá-lo como uma obra separada, sendo lançada um ano depois e com muito menos conteúdo. A sensação que fica é que ele foi feito por tabela, para se aproveitar dos assets do título anterior, às pressas para ser vendido junto com a nova aposta multiplayer da franquia para aumentar suas vendas enquanto o estúdio voltava sua atenção para o remake de Resident Evil 4.

Apesar de tudo isso, não é um jogo feito sem carinho, ainda mais para aqueles não familiarizados com o original. Ele propositalmente muda e corta vários de seus trechos, mas a sua intenção é claramente contar uma história mais dramática e intensa do que a de 1999, tomando todo o proveito dos gráficos poderosos da RE Engine e dando à seus herois e vilões a chance de brilhar mais uma vez. Jill e Carlos são tão partes da história de Raccoon quanto Leon e Claire, e não há motivo para a série ter aparentemente se esquecido deles. Resident Evil 3 tem lá os seus defeitos, mas ainda é um capítulo extremamente divertido da série, estrelado por uma de suas heroínas mais marcantes e um de seus monstros mais macabros, e que merece ser revisitado novamente por fãs novos e velhos.

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