Matt Reeves assumiu a trilogia recente de Planeta dos Macacos apenas no segundo filme, mas sua assinatura mostrou-se tão forte e viril que, retroativamente, o capítulo inicial da série ganhou ainda mais decoro e qualidade. Na gênese ultra-religiosa da ascensão, queda e redenção do símio Caesar, os longas escreveram na História uma continuação à altura dos clássicos do século passado. Em O Reinado, porém, o tempo apagou o legado do macaco-messias.
300 anos, ou algumas gerações, depois, o jovem Noa (Owen Teague, de It) demora a encontrar seu lugar na comunidade que vive, centrada no culto e na devoção às aves. Seu pai é o líder do clã, e coloca nele expectativas e temores para o dia da cerimônia que transforma os discípulos em adultos. É tentando se provar, quando escala o até o mais alto dos ninhos e surrupia um ovo, que Noa perde o equilíbrio.
Não o físico, já que esse se mostra afiado e, do grupo composto por Anaya (Travis Jeffery) e Soona (Lydia Peckham), o protagonista é o melhor escalador e o mais ágil caçador – quando o assunto é apenas coletar os ovos, já que cada iniciante precisa ter um, cuidar dele ao melhor estilo daquele episódio de Todo Mundo Odeia o Chris.
Wes Ball, da série Maze Runner, assume o bastão de diretor e investe na submersão do espectador no mundo de O Reinado. As metrópoles acinzentadas, antes cobertas de musgos e neve, agora dão lugar a uma floresta vasta, onde a comunidade de Noa se adaptou e fez valer o lado escalador de sua linhagem.
Tamanha partida dos ideias de Caesar que, quando um grupo invasor chega para incendiar, assassinar e destruir, o nome do personagem original é dito em tom de urro de guerra. Como Noa pode reconhecer a benevolência de alguém usado de baluarte para o terror e a morte de seu pai? Cabe a Raka (Peter Macon), macaco mais sábio e à parte do clã, educar o adolescente e mostrar que o governo tirano de nada se aproxima dos preceitos pacíficos de outrora.
Na companhia de Raka, Noa conhece uma humana (Freya Allan), chamada de Nova pelos macacos, e de Mae por seus semelhantes. Ao contrário da totalidade de homo sapiens que habitam o mundo selvagem deste Planeta dos Macacos, Mae fala. Não só isso, ela entende, pensa e opina. Em homenagem à companheira de espécie de Charlton Heston no primeiro filme, a mulher é quem guia o roteiro para os fins de desigualdade e opressão do texto original.
Em 1968, O Planeta dos Macacos original subverteu no Cinema a ideia da ficção científica como metáfora para temas passados do ser humano, dando origem a uma pentalogia de filmes ousados, divertidíssimos e recheados de boas ideias e soluções criativas. Lá, o diferente era difamado e perseguido. Aqui, Wes Ball não busca a celebração em título de nostalgia, e toma o tempo necessário (isto é, as duas horas e meias da rodagem), para, além de reiniciar a saga primata, orientá-la numa espécie de origem futura.
Na presença do pomposo Proximus Caesar (Kevin Durand), o filme continua sua releitura bíblica. E se Caesar assumiu tons de Moisés, o personagem da vez não usa o nome do criador da Arca apenas para fins estéticos e semânticos. A enchente que salga a areia suja de sangue e lágrimas marca a libertação deste novo povo prometido.
Em cisão com os preceitos que passou a conhecer e temer, Noa firma trégua temporária com Mae e, com isso, apenas atrasa o efeito cascata que a relação entre predador e presa vai acarretar. Acontece que, tanto tempo depois da pandemia que matou homens e elevou macacos, os papéis perderam significado. Cabe aos atuais referentes decidirem, na força do revólver ou do punho, quem se dobrará e quem será pisoteado.
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