É madrugada, mas Zeca (Renato Novaes) não prega o olho por nada. A rotina é repetida, cheia de cochilos fora de hora e de faltas injustificadas no trabalho. E não é coisa pouca: o bibliotecário precisa de múltiplas conduções para chegar à escola, numa cidade vizinha. O Dia que te Conheci acompanha seu turno final.
A direção de André Novais Oliveira, que assina a produção pela sempre inovativa Filmes de Plástico, acompanha os pormenores do homem, que implora que o colega de casa o desperte pela manhã, não importa o que ele diga, o quanto esbraveje e até xingue o pobre coitado. Até balde d’água é colocado na jogada, para a pior das hipóteses.
Mas Zeca levanta – e segue. No primeiro ônibus, o chacoalhão causa o imprevisto. Quebrou, e o próximo só chega dali a vinte minutos. Não tem jeito, ele vai se atrasar; é melhor, então, aproveitar a companhia de um conhecido da hora e comer um pastel no lado de lá da passarela.

No boteco, o funcionário frita o pastel enquanto fuma, mas Zeca não reclama. Ele paga e corre de volta para o ônibus. Sentado entre os cansados trabalhadores numa sexta-feira ensolarada de Minas Gerais, ele reconhece uma das aluninhas e sua mãe, igualmente fora do horário correto.
Já na escola, Zeca recebe a visita de Luísa (Grace Passô), que trabalha na secretaria e cuida das burocracias. Ela não traz boas notícias. São faltas e atrasos demais, o que só significa uma demissão por justa causa. Mas Luísa tem compaixão por Zeca e, descobrindo que ele mora longe e ela está de carro e por acaso rumada para o mesmo lado da estrada, oferece uma carona. Ele aceita.
No carro, a câmera descansa atrás dos bancos da frente, enquanto os dois, apesar de não estarem se conhecendo pela primeira vez, usam a oportunidade para falarem deles mesmos e do mundo ao redor. São eles dois os poucos negros que trabalham, ou no caso de Zeca, trabalhavam no lugar. A escola é escrota, assim como a estafante rotina e o mísero salário.

Zeca adora livros e trabalhar onde está, mas sofre com a depressão. Se enrola todo nos remédios e Luísa se interessa pelos dramas do antigo companheiro de trabalho. O papo corre solto e leve na boca dos dois, que acabam num bar, onde a amiga-não-tão-amistosa dela dá um bolo e só resta matar os copinhos de cerveja e ir embora.
Mas está tarde, e eles voltam para a casa dele, que não é longe dali. Mais papo de médico, com Luísa decifrando o hieróglifo do psiquiatra e assinalando o problema: Zeca está tomando os comprimidos na hora errada, por isso não dorme de noite e vive como morcego. Ele sorri, ela pede outra cerveja.
Eles caminham pela pequena residência, onde Luísa elogia a vista e não demora a beijá-lo. Os beijos, filmados com calma e precisão por Oliveira, encaminham a dupla para o quarto. Tudo muito natural e mundano, no melhor retrato que o reduto criativo de Contagem cultiva e produz na década que passou.

O Dia que te Conheci, no alto de seus 69 minutos, é uma comédia romântica no interior de Minas Gerais, protagonizada por personagens que vivem a realidade de maneira comum. No Grande Otelo 2025, o filme disputa os prêmios de Atriz para Passô e de Melhor Comédia, embora os demais aspectos são mais do que dignos de menção e reconhecimento. O Cinema de Oliveira é assim: dá tempo ao tempo e devolve ao dia a dia a vontade de viver o menor dos acontecimentos.
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