O Beijo da Mulher Aranha faz tudo pela metade

Musical traz Jennifer Lopez como a figura mística em contraste à ditadura na Argentina

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Na teoria, alguém como Bill Condon teria todo o cacife para dirigir a versão musical de O Beijo da Mulher Aranha: vencedor do Oscar pelo roteiro de Deuses e Monstros, também são dele o texto de Chicago e o elogiado Dreamgirls. Mas o cineasta não repete o sucesso do currículo passado, apesar de um elenco muito bem escalado e ideias cativantes emboladas num filme metade-metade de euforia e desleixo.

Segunda adaptação cinematográfica do romance de Manuel Puig, desta vez o drama fica de lado e entra em cena o lúdico. Baseado na versão musical da história de repressão na Argentina, o filme coloca o novato Tonatiuh em combate ideológico ao veterano Diego Luna, e, entre eles, surge uma misteriosa e espalhafatosa Jennifer Lopez.

O jovem Tonatiuh recebeu uma indicação ao Gotham 2025 na categoria de Atuação Revelação (Foto: Lionsgate)

A trama se passa numa cela, local habitado pelos prisioneiros de maneira suspeita; presos políticos, de uma maneira ou outra, numa época em que a América Latina, e especialmente os hermanos, passavam pelo fascismo desregrado e violento nas ruas. Molina (Tonatiuh) é homossexual, e esconde de Valentín Arregui (Luna) seu propósito real.

Isto é, tirar do professor informações que sejam úteis ao governo autoritário. Mas, no meio do caminho, surge uma paixão avassaladora, primeiro no campo semântico e idealista, e depois em sua manifestação carnal. Através da imaginação e da lembrança, Molina narra a Arregui o enredo de um filme que marcou sua vida e ajuda-o a continuar resistindo: O Beijo da Mulher Aranha.

A vencedora de 4 Oscars Colleen Atwood assina o departamento de figurinos, esbanjando o lado fantasmagórico e irresistível dos sonhos de Molina (Foto: Lionsgate)

A estrela da obra é Aurora (Lopez), uma diva latina que se vê na encruzilhada do amor e do destino. Nestes momentos de criação, Condon extrai suor e sangue do elenco, em coreografias elaboradas e cores que queimam a retina. A tarefa foi árdua ao ponto de J-Lo perder uma porção de quilos nas gravações – e o resultado é um esplendor. 

Acontece que, nos períodos entre-cores, Condon condena Luna e Tonatiuh ao cinzento cenário da prisão, sem inspiração para ousar em enquadramentos ou para fugir do plano/contra-plano que traduz-se apenas banal. Para a sorte dele, o protagonista oferece sua alma de bandeja, sentindo e transmitindo cada emoção à enésima potência.

Falta no filme um ímpeto maior na linguagem – problema que seria facilmente contornado fossem as músicas e os diálogos todos em espanhol (Foto: Lionsgate)

Seja nas questões latentes de sua sexualidade ou na conflitante identidade de gênero que cresce ao passo que Molina entende-se pessoa ativa e alguém que pode se radicalizar, Tonatiuh brilha nos diálogos vagaroso e, nas porções “cinematográficas” da obra, esbanja borogodó. Luna não fica atrás, embora seu personagem exija menos do intérprete.

Pau a pau com a entrega de Tonatiuh, J-Lo requebra e encanta como a atriz do Cinema clássico e, mais tarde, como a hipnotizante Mulher Aranha, papel eternizado por Sônia Braga no filme de 1983 e depois vivido no teatro pela lendária Chita Rivera. Os figurinos de Colleen Atwood são embasbacantes, assim como a fluidez com que a estrela da Música se move neles, com terninhos costurados à rigor, drapeados resplandecentes que abraçam suas curvas e o traje soturno da aracnídea que atua como lenda e algoz da pequena vila fictícia. 

O filme é dedicado à memória de Fred Ebb, Terrence McNally e Chita Rivera, que foram essenciais para o musical original da Broadway como letrista, autor do livro e intérprete da protagonista (Foto: Lionsgate)

O Beijo da Mulher Aranha estreou em Sundance naquele período do ano onde qualquer novidade fora da temporada de premiações se destaca como um prego mal esmagado na madeira. Agora, tantos meses depois – e com uma campanha organizada pela inexperiente Lionsgate, fica difícil enxergar o caminho de J-Lo ao Oscar de Atriz Coadjuvante. Abre parênteses: caminho esse que já deveria ter sido desbravado quando competiu por As Golpistas, em 2020. Mas sonhar, assim como imaginar cenários fantasiosos, não custa nada. 

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