Nickel Boys registra o horror de fora para dentro

Com duas indicações ao Oscar 2025, drama figadal de RaMell Ross é experiência obrigatória

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Ao mesmo tempo em que a avó passa uma camisa com o ferro quente, o pequeno Elwood observa o próprio reflexo na superfície metálica do material. É desta forma que RaMell Ross representa o mundo em Nickel Boys, filme que o prolífico documentarista verte para as telas através das palavras de um romance premiado. Com a câmera em primeira pessoa, o protagonista não só vive os acontecimentos da história, ele os transmite na crueza para quem assiste.

A trama segue Elwood (papel de Ethan Herisse), um garoto prodígio que, na oportunidade de estudar e sair da vida sem promessas que vive com a avó, interpretada por Aunjanue Ellis-Taylor, cai numa cilada sem saída. Ross, que aqui escreve o roteiro ao lado da produtora Joslyn Barnes, se aproxima dos temas de violência e sensibilidade com uma abordagem singular.

Mais uma vez o braço responsável pela campanha da MGM decepciona, colocando Nickel Boys em apenas 2 categorias: Filme e Roteiro Adaptado, repetindo o feito da produtora com Entre Mulheres, alguns anos atrás (Foto: Amazon)

Obrigado a viver no Reformatório Nickel, criação fictícia que serve de reflexo ao verdadeiro instituto que matou incontáveis crianças e adolescentes negros no século XX, Elwood conhece Turner (Brandon Wilson). Opostos, o garoto mais velho não tem o otimismo no campo de visão e ensina a Elwood a maneira correta de se portar no local.

Reconhecido na seção Spotlight do Sindicato de Fotografia, Jomo Fray, na omissão mais dolorosa da lista do Oscar 2025, filma esse florescer brutal com planos em ponto-de-vista e imagens subjetivas. À certa altura, o foco troca de Elwood para Turner, e então Nickel Boys reinicia na perspectiva do outro. Some isso à montagem de Nicholas Monsour, que acopla sem problemas elementos históricos, com um corte anacrônico futuro, onde um homem adulto lida com as cicatrizes de sua formação.

Apesar do bom retrospecto no círculo da crítica, é digno de pena que a campanha não emplacou reconhecimento para a trilha, fotografia, montagem, direção ou atuação; a omissão nos prêmios maiores aponta para a indisposição dos votantes para filmes centrados em temas e personagens negros (Foto: Amazon)

Diferente do que se espera de uma obra centrada no racismo, RaMell Ross locomove-se da visão documental que o indicou ao Oscar em 2019 por Hale County This Morning, This Evening, mas não abre mão da sensível assinatura que o denota e distingue dos pares. Muitas vezes desafiador, o estilo de Nickel Boys é subversivo, imersivo e, mais importante ainda, inesquecível. Pelo trabalho, apareceu na categoria de estreantes do Sindicato dos Diretores.

Ellis-Taylor, filmada sempre pelos olhos do neto, fica gigante e pequenina, quaisquer que sejam as ações que lhe são estendidas. Assim como os personagens brancos da história, que vão da letargia de Fred Hechinger até o áustero timbre de Hamish Linklater. Complementar ao discurso que Colson Whitehead registrou no romance vencedor do Prêmio Pulitzer, a experiência cinematográfica é daquelas que demandam mente aberta – estômago forte.

Nickel Boys ganhou dois troféus no Gotham e apareceu de modo singelo no Globo de Ouro e no BAFTA, sendo deixado de lado pelos Sindicatos de Produtores e Atores (Foto: Amazon)

Por mais que, nos momentos mais cruciais e fomentadores das ações de Elwood e Turner, a direção recuse a violência explícita e se encarregue de dividir o trauma e o peso das ações. Sem sofrimento negro que aditiva um Cinema perverso e atento às lágrimas e ao sangue, Nickel Boys marca um passo na autoralidade de seu realizador – e prova que o Oscar ainda teme premiar e reconhecer aqueles ousados o bastante para desmanchar o estado vigente. 

Uma resposta para “Nickel Boys registra o horror de fora para dentro”

  1. Avatar de Henrique

    Pena que vai direto para o streaming, sem passar no cinema, o mesmo que fizeram com Ficção Americana.

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