Respirando vida num conceito antigo entre os muitos manuscritos descartados da franquia Alien, a série de Noah Hawley traz o xenomorfo ao planeta Terra sem ficar refém dos eventos pregressos. Primeira releitura original da saga cósmica desde os prelúdios ousados de Ridley Scott, Alien: Earth é maior que uma espaçonave e mais assustadora que um jogo de gato e rato.
Wendy (Sydney Chandler) é o centro emocional da temporada inicial, que coloca a híbrida de humano e máquina como mentora das outras “crianças perdidas” criadas por Boy Kavalier (Samuel Blenkin), prodígio e dono do império que financia e se beneficia da chegada nada harmoniosa de uma nave ao planeta.

Polissêmica quanto ao discurso e ao grupo de personagens que acompanha, Alien: Earth passeia por temas cabais da ficção científica, instigando tanto os personagens, em sua maioria fiéis e inocentes, quanto o público que os assiste, um amontoado de audiência que há anos questiona e perambula pelos vãos escondidos do gênero criativo.
Wendy já foi Marcy, menina condenada ao perecimento na primeira infância, mas impedida de concretizar tal destino pelo sino do boy genius: tornou-se projeto piloto dos híbridos que desafiam os conhecimentos da atualidade e são, em suma, inteligências artificiais fundidas a consciências infantis.

O bando é nomeado com base nas abandonadas crianças que acompanham Peter Pan na Terra do Nunca, numa hábil metáfora para o estado de eterna juventude dos agora soldados em treinamento. Daqueles que almejam uma posição de destaque, seja por inveja ou ciúmes, até os mais frágeis, os personagens variam a trama da série.
Do lado de lá das corporações inimigas, o ciborgue Morrow (Babou Ceesay) contrapõe a semântica de Boy Kavalier, mantendo-se fiel a outra das empresas que regem o mundo em 2120. Ele coopta um dos juvenis para seu lado, na promessa de realizar para o inocente Slightly (Adarsh Gourav) o mesmo que Wendy conseguiu sem batalhar: a família.

Joe (Alex Lawther), irmão da garota, é encontrado e resgatado por Wendy, e integra o núcleo isolado na ilha que Kirsh (Timothy Olyphant) comanda com mão de ferro e controle invejável. Espécie de mistura das auras de David (Michael Fassbender), o dróide de Prometheus e Covenant, com o cinismo de Roy Batty (Rutger Hauer), um dos pilares de Blade Runner, e o estilo de Supla, o personagem se beneficia da veia robótica para que o ator sangre insultos e louve elogios sem mexer a testa ou os lábios.
Entre as intrigas de amadurecimento que qualquer adolescente enfrenta na puberdade, Noah Hawley decanta um núcleo inexplorado em uma franquia que se contenta em refilmar o filme original e aceita os elogios desmedidos. Diferente do atmosférico, mas derivativo, Alien: Romulus, Earth brinca com o espaço-tempo e com a mitologia estabelecida na década de 70, expandindo o conceito extraterrestre e trazendo novas espécies para o meio do tabuleiro.

O Xenomorfo, construído em forma de fantoche controlado por operadores nas gravações e pela performance de Cameron Brown, luta como gladiador e ostenta uma envergadura horripilante, ainda mais vista fora dos confins de uma nave obscura. Quando é solto na flora da ilha paradisíaca, o monstro se saboreia de sangue e entranhas, sob o comando misterioso de Wendy, a híbrida-messiânica que responde ao melhor de dois mundos. A Khaleesi dos Aliens.
Com design de som e construção de cenários sofisticados, a produção ganha a direção de Dana Gonzales e Ugla Hauksdóttir, cineastas que equilibram horror, mistério e aventura. Na mistura do espacial com o terráqueo, a montagem usa e abusa de dissoluções caprichadas e à par do currículo de Hawley, a mente por trás da revolução de Fargo e do sucesso comedido de Legion.
Morrow: “Quando uma máquina não é uma máquina?”

E para enriquecer a mitologia, novas espécies de extraterrestres são apresentadas e postas a prova, com destaque para o casulo que engole suas presas e, óbvio, ao olho flagelado que não apenas rouba a cena, mas antagoniza a grande caçadora que dá nome a franquia. O episódio final oferece um vislumbre do futuro das criaturas, que prometem aterrorizar mais do que os garotos perdidos.
Em vias de fato, Wendy assume a revolução como lema de existência, contando com o apoio dos irmãos-guerreiros, enfim libertos das expectativas paternas (caracterizados pelos personagens de Essie Davis e David Rysdahl) para assumirem seus nomes de escolha e seu papel de destaque. Que os fracos se encolham, e que a liberdade impere.
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