O sucesso dos filmes de Harry Potter no início da década de 2000 tentou ser replicado por diversos sucessores mal-sucedidos; a razão para tal fracasso é simples: entre as lutas entre Trevas e Luz, os alunos de Hogwarts viviam a sóbria e desgastante rotina de aulas, provas e tarefas banais. Para o espectador, embarcar no trem e viajar ao castelo era sinônimo de segurança e conforto, já que nem toda aventura era mortal e nem todo inimigo assumia a carapuça de vilão indestrutível. Na 2ª temporada de Wandinha, outra tentativa de réplica nasce.
O modelo da Netflix em demorar anos para produzir meia dúzia de episódios contradiz a lógica que transformou a saga do Bruxo num instantâneo fenômeno cultural. Faça chuva ou faça sol, os filmes chegavam aos cinemas, sem deslizar em orçamento ou pobreza narrativa. No âmbito atual, a incerteza quanto ao retorno dos personagens queridos, caso da Família Addams, afrouxa o laço sentimental entre fã e obra. Por isso, Wandinha até tenta, mas não consegue ser a nova referência no gênero.

Ainda bem, já que os êxitos da série estão todos alocados em seus personagens macabros e célebres em situações de perigo, onde a ameaça cresce ao passar dos capítulos. Os novos episódios, produzidos depois do terremoto que se tornou a marca, a protagonista Jenna Ortega e o vídeo que colocou Bloody Mary na cena da dança, sofrem com o mesmo mal que todo sucesso inesperado enfrenta: replicar o passado sem soar repetitivo ou enfadonho.
A temporada foi lançada em dois blocos, com um mês dividindo as datas (será que um formato semanal, seguindo o mesmo calendário, não seria melhor para manter o falatório e o suspense? Para a Netflix, a resposta é obviamente negativa). No primeiro, Tim Burton retorna ao mundo sombrio de Wandinha e até brinca com certos truques de sua carreira, como na cena tão bonita e bem feita usando técnicas de stop-motion para uma história de terror à luz da fogueira.

Feioso (Isaac Ordonez) cresceu um bocado e agora é colega da irmã na escola, mas a solidão de ser um Addams faz com que o caçula arrume um amigo morto-vivo que movimentará a trama do segundo ano. E por falar na Família, Gomez (Luis Guzmán) e Morticia (Catherine Zeta-Jones) estão presentes ao longo de toda a história, já que o novo diretor do colégio precisará dos dotes da matriarca na organização de uma gala.
Quem assume o papel é Steve Buscemi, que interpreta um acadêmico descontrolado e muito do suspeito. Ao lado do veterano, Billie Piper empresta seu carisma à professora Capri, que guiará Enid (Emma Myers) por sua jornada de loba. Ainda nas dependências escolares, Christopher Lloyd, o Tio Chico dos anos 90, vive um professor ciborgue que só tem cabeça e muitos segredos.

Fora do campus, Wandinha escala Thandiwe Newton como uma psiquiatra de planos bem bolados, Heather Matarazzo como uma recepcionista com pinta de maluca e Joanna Lumley como a icônica Hester Frump, mãe de Mortícia que agora quer ser tutora da neta. A grande surpresa do elenco, porém, é toda do papel de Evie Templeton como Agnes, a menina-invisível que glorifica a protagonista e vai de sombra à parceira de planos.
Ecos do primeiro ano, como a presença de Tyler (Hunter Doohan) e da maluca Thornhill (Christina Ricci na pior peruca que você pode imaginar), são o centro do Volume 1, ao passo que o Volume 2 é focado no retorno espiritual de Larissa Weems (Gwendoline Christie), na situação precária entre Bianca (Joy Sunday) e sua mãe, e, claro, na chegada etérea de Rosaline Rotwood (Lady Gaga), uma antiga professora que protagoniza, brevemente, o melhor episódio da série.

Aqui, é preciso agradecer e reconhecer o poder da pessoa que colocou a música de Gaga na cena da primeira temporada e, no melhor efeito borboleta, causou a escalação da artista e o lançamento de uma canção original, The Dead Dance. Obrigado! E para coroar a ocasião, Gaga vive uma fantasmagórica presença que troca os corpos de Enid e Wandinha.
Em tempos de Sexta Feira Muito Louca, Ortega e Myers dão um show de linguagem corporal ao viverem versões opostas de si mesmas. Dirigido por Angela Robinson, Woe Thyself coroa uma temporada aquém do esperado com humor, drama e aquele tipo de laço emotivo entre duas amigas inseparáveis que não apenas dá cabo do conflito entre elas, mas também fortalece a união e prepara a audiência para o grande clímax que vem no Baile de Gala.

Com figurinos desenhados com olhar fashion e muito amor ao teatro, o evento serve de encerramento para o arco cansativo do diretor Dort e também abre alas para a vingança planejada por Isaac (Owen Painter), o ex-zumbi de Feioso que tem dívidas antigas com Morticia e Gomez, sua irmã Françoise (Frances O’Connor) e o sobrinho Tyler, aqui mais desconfiado do tio do que furioso para se acertar com os protagonistas.
Amarrando até mesmo a origem de Mãozinha (Victor Dorobantu) ao grande escopo dramático da vez, a direção de Tim Burton visita as inspirações monstruosas com direito a raios elétricos e uma batalha entre criaturas contra a luz do luar. Ciente da renovação para a terceira temporada, Wandinha pinga seus is mas deixa brecha para que antigos laços sanguíneos continuem a atormentar a gótica mais popular da cultura pop no futuro incerto.
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