Certos fenômenos astronômicos são tão emblemáticos quanto álbuns que dividem a trajetória de um artista em antes e depois. Uma chuva de meteoros traz estrelas cadentes, um eclipse paralisa momentaneamente a êxtase do mundo e a Música, versátil no próprio espaço-tempo, coloca cada sentimento em seu devido lugar. Nascido no período mais bombástico para Ariana Grande até então, eternal sunshine é um desses registros de paralelismos interestelares, latência humana e experimento sonoro – tudo com o objetivo de reconstruir o universo de uma das maiores figuras do pop atual.
De fato, vale pensar como a floridense nunca teve a chance de tapar o sol com a peneira. Desde o início da carreira, turbulências e polêmicas de diversos gêneros rondam seu nome, gerando um prisma de teorias e especulações que, enfim, reflete em uma imagem pública instável. Em 2024, o assunto da vez era a suposta conexão entre o inesperado divórcio da cantora e os rumores de traição nos bastidores de Wicked. Vivendo um afastamento midiático, a intérprete de Glinda quebrou o silêncio apenas quando a greve de atores e roteiristas em Hollywood permitiu sua volta aos estúdios musicais. Assim, yes, and? escancarou o ritmo dos primeiros passos de Grande na casa dos 30 anos de idade.

Interpolando Madonna, o lead single não se preocupa em discutir a verdade das coisas, mas em colocar a indiferença ao escrutínio alheio como parâmetro para a felicidade. “Não me esconderei debaixo das suas projeções/Ou mudarei minha vida mais autêntica”, promete a artista, expurgando as pistas de dança com o vigor do house music. Na mesma direção do antecessor Positions, esse gás eletrônico impulsiona conceitos sem perdurar ao longo do novo trabalho, deixando a lapidação de ideias e sentimentos para variações cuidadosas de synth-pop, R&B e melodias orquestrais.
Ainda que seja crucial delinear referências dos anos 80, 90 e 2000 na sonoridade desenvolvida – que mantém a liderança do gigante Max Martin -, o conjunto se destaca pelo esforço de Grande para consolidar seu domínio criativo. Em um passado recente, seus maiores sucessos possuíam créditos extensos que enfraqueciam o peso de sua própria caneta; já em seu sétimo disco, o núcleo de colaborações acaba reduzido, culminando na participação da cantora na produção de cada uma das 13 canções e na composição da maioria delas. A beleza, então, repousa nos detalhes, que garantem sutileza lírica e fluidez instrumental para os estágios de crescimento que vem a seguir.
Sintetizando os extremos de eternal sunshine,don’t wanna break up again e imperfect for you ressaltam como essa responsabilidade foi bem aproveitada. Enquanto a primeira revisita o pouso forçado e amargo do casamento com Dalton Gomez sob o efeito de sintetizadores em mid-tempo, a segunda reverbera imprevisibilidades sonoras para colar os caquinhos da vocalista em um novo romance e, consequentemente, vislumbrar sua identidade à luz do dia: “Como poderíamos saber/Que tornaríamos as coisas ruins deliciosas?/Estou feliz por termos colidido e nos queimado/Sei que estaremos lá um pelo outro”.

Mergulhado em místicas astrais e populares, como aproximações entre o fim do mundo e a chegada do relacionamento perfeito logo na faixa de abertura, o projeto como um todo também se inspira abertamente em Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, filme que explora a possibilidade de apagar relações dolorosas do cérebro e do coração através de um procedimento inusitado. No entanto, o que serve de alimento para eternal sunshine são justamente os traços mais íntimos e concretos de Grande: suas memórias. Se os personagens de Kate Winslet e Jim Carrey pagavam qualquer preço para esquecer um ao outro, ela entende que o processo de cura deve passar pela ânsia das recordações.
A linha do tempo percorre as incongruências do amor, as pressões da fama e a busca por um momento em que o simples seja considerado suficiente, fotografando uma artista menos interessada em alcançar notas estratosféricas e mais consciente de que sua vulnerabilidade pode falar por si mesma. O choro que embala a dilacerante i wish i hated you e os risos inconfundíveis causados pelos relatos de sua Nonna, única parceria presente no álbum, em ordinary things, impregnam a alma de Grande nos ouvintes, como um lembrete de que esses vestígios são naturais e podem atingir qualquer um. A pegada confessional continua inclusive em true story e the boy is mine (releitura do hit homônimo de Monica e Brandy), faixas mais sensuais, reativas e viciantes de eternal sunshine.

Em matéria de coesão e completude, a ritualística do retorno de Saturno fornece o manual da coletânea. Os 29 anos do tal ciclo planetário acabaram, portanto, “está na hora de você cair na real e descobrir quem realmente é”. Para a Astrologia, uma fase que subentende questionamentos mais profundos sobre decisões e responsabilidades. Para a cantora em questão, um recomeço ambíguo, centrado tanto em redescobrir sua essência quanto em remanejar o vínculo com os holofotes – vide a majestosa We can’t be friends (wait for your love), inspirada em Dancing On My Own, da sueca Robyn.
Disputando três prêmios no Grammy 2025, o álbum não conseguiu aquecer a competição como merecia, mas iluminou o cenário musical com uma galáxia de significados. Mais que uma projeção harmônica dos gêneros que Ariana Grande adora explorar, eternal sunshine prova que as visões artísticas da estadunidense vão além do apelo mainstream que a consolidou, podendo até criar outro planeta em que o poder solar e o clima tempestuoso se abraçam, fazendo o amanhecer valer a pena.
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