“Ele está muito pior desde a última vez que estive aqui”, comenta Katie (Carrie Coon) para as irmãs, que concordam em silêncio e tristeza. No apartamento mobiliado à moda dos anos noventa de Nova York, o filme de Azazel Jacobs compartimentaliza o espaço de cada familiar, e, por mais solar que seja a brisa que penetre ali,His Three Daughters isola para depois agrupar.
Exibido no Festival de Toronto 2023, adquirido pela Netflix por sete milhões de dólares e lançado um ano depois, As Três Filhas é o clássico e precioso sucesso independente que se ancora em performances viscerais, um punhado pequeno de personagens e um tema central de dar nó no coração.
Katie, Christina (Elizabeth Olsen) e Rachel (Natasha Lyonne) precisam organizar a vida enquanto o pai morre no quarto ao lado. Vindo de um quadro nada otimista em que o câncer consome cada célula do corpo do homem, é necessário escrever o obituário, conseguir a ordem de não ressuscitação e ainda desembaralhar os sentimentos que há anos se aglomeram sem cessar.
Filhas de sangue de Vincent (Jay O. Sanders), Katie e Christine vivem de modo a se afastar do passado, por mais que a primeira resida na mesma NY que ele e a segunda encha os ouvidos da filha pequena com as memórias da família. Não houveram rusgas ou traumas na criação delas, que conheceram Kate depois da primeira infância, quando a mãe desta casou-se com o pai das meninas.
Elas são irmãs, são filhas dele, e é isso tudo o que importa. Ao menos é o que distingue Jacobs na cadeira da direção e no refinado roteiro, estendido para pouco menos de duas horas com direito à raiva e a comoção que chegam acoplados ao luto inevitável. Nem mesmo a presença de Angel e Mirabella, cuidadores paliativos que visitam a casa e lidam com as pendências diárias, alivia o fardo das mulheres.
Por breves interações, ou palavras não ditas no calor do momento, His Three Daughters vai esculpindo, pela brutalidade e pela crueza da situação, os temores de cada mulher. O lado controlador e austero de Katie, a mais velha, é tão volátil quanto compreensivo; tal como a predileção de Christina pela fuga do conflito e pelo levantar de muros invisíveis.
Os problemas parecem afetar mais a Rachel, que literalmente foge do quarto do pai – por mais que tenha sido a ela a cuidadora principal nos anos do crepúsculo de sua doença. O namorado Benjy (Jovan Adepo) advoga em sua defesa, mas ação nenhuma surtirá efeito no acizentado alicerce desta relação familiar.
Elas precisam encarar a situação de frente, abrir-se para o diálogo e entender a posição não mais de tuteladas por ele, mas de responsáveis por seu bem-estar e paz. Azazel Jacobs desprende-se do habitual humor ácido de sua filmografia para contrastar o período mais ingrato da jornada de alguém, e ombreá-lo aos laços mais primordiais e primitivos.
No fim, o íntimo é tão universal quanto pode, com as três atrizes, em estado de euforia e tensão, rasgando umas às outras com as críticas, os elogios, as memórias e a certeza incerta do que acontecerá depois que os aparelhos pararem de apitar. É tudo glorioso e doloroso, brutal e singelo: como todo momento definidor de vida ou morte deve ser.
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