Existe admiração e ojeriza no olhar que o ator-mirim-transformado-em-diretor Brady Corbet mantém sobre os Estados Unidos. Se, por um lado, o país representa os ideais de liberdade e emancipação econômica, o revés é tão caro quanto na opressão que mastiga os mais debilitados em favor de quem esbanja. Com O Brutalista, seu terceiro longa-metragem na cadeira da direção, o colosso está na forma e no conteúdo.
O arquiteto László Tóth (Adrien Brody) escapa da Hungria devastada pela Guerra e encontra refúgio em uma insípida cidade de Nova York. Hostilizado pelo sotaque carregado, pelo nariz quebrado e pelos preconceitos alimentados na mídia e nas declarações do governo, o personagem demora a entender seu papel no novo mundo.

Papel esse que passa pela meticulosa visão criativa de Corbet, vencedor do prêmio de Direção no Festival de Veneza, e verdadeiro defensor do Cinema como meio e mensagem. O orçamento “enxugado” de dez milhões de dólares atua a favor do marketing de O Brutalista, filmado em VistaVision e feito quase que como resposta aos grandes arrasa-quarteirões que pouco acrescentam à linguagem.
Aqui, tudo oprime e tudo assola: os prédios que Tóth desenha são idealizados contra qualquer glamour e requinte que a arquitetura pré-Guerra poderia ostentar. Em paredes de cimento, com cores que variam do cinza ao azul petróleo, ângulos retos e cortantes, as construções colocam o homem em baixíssimo plano. O pé direito toca as nuvens, e os signos religiosos passam de decoração ao alicerce.

Escrito ao lado da esposa Mona Favald, o roteiro de O Brutalista não busca contrapartes reais e, ao melhor estilo Tár, constrói um personagem completo e complexo que parece uma biografia protocolar. Ao menos na teoria. Quando falamos da prática, Brody permanece na zona já explorada que o tornou o mais jovem ator a ganhar o Oscar por O Pianista, num papel de sobrevivente da Guerra em busca de curar as feridas.
Para toda a entrega emocional do ator, que já coletou prêmios em quase todos os precursores em direção ao Oscar 2025, o filme deixa pouca substância e singularidade. Nem as três horas e trinta e cinco minutos (contando os 15 minutos de intervalo) dão conta de fazer dele alguém com motivações palpáveis e origem crível. Um epílogo que recontextualiza a jornada de Tóth está ali para preencher tabela e, no caminho, mais confundir do que suscitar.

Fossem esses elementos do discurso da sobrinha Zsófia na Bienal de Arte, quando o homem está na casa dos setenta anos e preso a uma cadeira de rodas, tão importantes na jornada do personagem, o filme de Corbet teria mais a dizer. Ao contrário, as melhores porções de O Brutalista estão nas interações entre Brody e seus dois coadjuvantes, também indicados ao Oscar.
Guy Pearce assume o tom autoritário e a fachada de um homem deveras rico e muitíssimo descontrolado, Harrison Lee Van Buren Sr., que contrata o arquiteto para supervisionar uma obra de dimensões ridiculamente exorbitantes. A primeira parte do filme, que acaba na marca da 1h40 e corta para o tempo de intervalo, representa o ápice da construção imagética e sonora da equipe criativa, que abusa das cordas e do piano na trilha sonora fenomenal de Daniel Blumberg.
Felicity Jones sussurra sua introdução nas cartas que troca com o marido, ainda distante na mesma Europa que tanto os machucou. Quando enfim desembarca na Pensilvânia, o estado americano que os recebe depois do caos em NY, sua condição física deteriorada pela osteoporose a condena a uma vida de cuidados e controle. Compartilhando dos sôfregos momentos de desilusão com Tóth, sua Erzsébet é canalizada pelas cicatrizes.

Nas interações mundanas e corporativas do trio, a direção de Brady Corbet ganha amparo da câmera fascinante de Lol Crawley, em estado de liturgia e êxtase ao posicionar o eixo de ponta-cabeça, isolar os personagens em ângulos obtusos e até fazer do personagem de Pearce um verdadeiro demônio em cena. Somam ao elenco as participações menores, embora enriquecedoras, de atores como Stacy Martin e Joe Alwyn, herdeiros do magnata, e Isaach De Bankolé e Alessandro Nivola, então aliados de Tóth.
Indicado a 10 prêmios no Oscar 2025, O Brutalista tem todos os traquejos dos queridinhos da Academia: pompa no discurso, uma pitada de arrogância no formato e os temas carimbados de sempre: sofrimento, imigração e derrocada. Falta a Corbet, talvez, a experiência na indústria, já que esse é o primeiro contato do grande público com seu trabalho.

Ator-mirim que iniciou a carreira em filmes carregados de tensão, como Aos Treze, Mistérios da Carne e Violência Gratuita, sua passagem para o posto de diretor aconteceu em 2015, com o instigante, porém desligado, A Infância de um Líder, um thriller de cozimento lento que acompanha os primeiros anos da vida de alguém mal-intencionado.
Em 2018, lançou o subestimado Vox Lux, um conto de fama e terror que documenta a vida de uma garota sobrevivente de um tiroteio escolar que ascenderá como estrela pop. Em O Brutalista, o material genético de Corbet está em total sinergia: uma introdução que instiga, seguida pelo desenvolvimento aquém do esperado e uma conclusão com sede de explicações que solucionam mistérios muito mais interessantes quando ainda estavam envoltos pela escuridão e incerteza.
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