A respiração ofegante da Agente Especial Lee Harkner (Maika Monroe) norteia a totalidade de Longlegs. São cenas ancoradas em seu busto, quando o medo e a euforia se misturam num ácido jogo de esconde-esconde: ela arfa, puxa o ar, solta com dificuldade. São estes passos curtos e calculados à esmo na escuridão que formam o filme de Osgood Perkins.
Estamos nos anos 90, e o Pânico Satânico ainda não se dissipou. Na verdade, um assassino em série acumula crimes ao longo de décadas de atuação quase que invisível. O Agente Carter (Blair Underwood) não vê pista nem solução, mas é só Lee estudar o caso que, magicamente, a engrenagem volta a funcionar. No centro da espiral de conspiração, uma certeza. As vítimas são famílias em que as filhas mulheres fazem aniversário no dia 14 de algum mês.
O modo de operação é igualmente previsível: o pai mata a esposa e as crianças, e depois acaba com a própria vida. Sem sinal de arrombamento ou sombra da participação de um corpo estranho. Longlegs, o misterioso indivíduo esbranquiçado, é um fantasma que não suja as mãos; como Mason, mas sem a Família que cooptou pelos anos decisivos do século XX, momento em que os Estados Unidos colocava iguais doses de perseguição e admiração nos matadores que transformou em mitos.
Mas são outros os planos de Osgood Perkins, filho do lendário protagonista de Psicose e prolífico diretor de filmes contidos. Nicolas Cage se escondeu do trailer e do material de divulgação, e até consegue evitar a câmera de Andres Arochi tanto quanto pode. Nas imagens, uma grande lente alonga toda e qualquer possibilidade de imersão espacial.
Os braços de Lee seguram o revólver a quilômetros de distância de seu tronco, assim como o horizonte nublado da cidadezinha é eternizado no mormaço indefinido, que deixa o filme estacionado perfeitamente no limbo emocional que afoga o roteiro. Das mensagens criptografadas que homenageiam o Zodíaco até nos erros de digitação, o esmero no design de produção engrandece a experiência de Longlegs.
Na periferia dos traumas de Lee, o elenco de apoio impressiona: o destaque é Alicia Witt (da versão de Duna de David Lynch), uma mulher parada no tempo – e inteiramente devota ao bem estar da garota. A performance cautelosa de Witt se equilibra ao sentimento reprimido que Monroe aplica a Lee; reparem, por acaso, na maneira como mãe e filha não olham nos olhos de ninguém, encarando o chão como mecanismo de proteção.
Proteção essa que Perkins sequestra da audiência, em harmonia a uma trilha sonora etérea e perturbadora, valorizando cada soluço de silêncio e cócega nas entonações de Cage, irreconhecível como o antagonista. Sem cair no caricato ou abusar de trejeitos artificiais, o ator assustou sua colega de elenco – e o momento virou estratégia de marketingdo filme, que coleciona recordes para o estúdio.
Longlegs, no Brasil subtitulado como Vínculo Mortal, faz bonito quando suja a tela de blasfêmia e de culpa religiosa, embora não se preocupe tanto com os temas de infância perdida e lares quebrados. A pegada intimista de um terror feito de maldade e imprevisibilidade está no DNA de Perkins, que herdou os genes macabros do pai e, em pleno domínio de sua biologia, bota para aterrorizar.
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