A turnê literária de RuPaul foi a saída perfeita para que a franquia da Australásia ganhasse um bem-vindo fôlego: e então Michelle recebeu as chaves da casa. Na temática dollhouse, o elenco de dez queens mergulhou na mitologia do programa e recebeu aval e ajuda daquelas que vieram antes. No processo, Drag Race consumou a antropofagia que se desenha desde que o reality ganhou proporções astronômicas.
Se antes as rainhas chegavam ao Ateliê com referências externas ao programa, agora, com o advento das seasons internacionais e as versões elaboradas do All Stars, as próprias competidoras tornaram-se ícones e aspirações. Perfeita para inaugurar a nova era, a presença de Sasha Colby no painel da estreia deixou as divas em êxtase e ajudou a aclimar a ideia.
Isis Avis Loren, Spankie Jackzon e Kita Mean alternaram-se à direita da apresentadora, que tratou-as de igual para igual e não hesitou em convidar nomes como Kween Kong, Hannah Conda e Anita Wig’lit que, embora sem Coroas, adicionam e enriquecem o ambiente da competição. Afinal, se uma versão estrangeira de Drag Race necessitava de um makeover, essa era o Down Under.
Depois de uma Corrida inaugural recheada de polêmicas, decisões controversas e presença de duas racistas na Final, a série nunca conseguiu se reerguer aos olhos dos fãs. As temporadas 2 e 3, embora formadas por elenco de talento e singularidade, não tiraram a amargura do começo traumático. Agora, a quarta recomeça com propriedade e faz o melhor para ilustrar o talento das queens.
O destaque, sem surpresas, foi Lazy Susan – que venceu os dois primeiros desafios e isolou-se como candidata óbvia à Coroa. Com humor desengonçado e alguns dos looks que demoliram a passarela, a queen – xará da parceira de Plane Jane na season 16, ganhou o coração de Michelle e surpreendia a cada semana.
Desde uma máscara que usava LEDs até um vestido que trocava de estampa quando molhado, o guarda-roupa de Lazy foi o que a levou ao topo da manada. Assim como a comédia, responsável pelas Vitória no desafio que parodiava o musical Grease e no de Atuação. Vybe até tentou surrupiar os Wins, mas a concorrente matou a pau com o vestido transparente e digital e, depois, com a inovação aquática.
Impedida de cantar vitória algumas semanas seguidas, Vybe superou-se no Makeover dos bibliotecários e arrematou a competição no Roast de Rhys Nicholson, fazendo frente ao favoritismo de Lazy. Na garupa da Final, a fantástica Mandy Moobs costurou como ninguém e recebeu uma salva de palmas de Isis Avis Loren, uma das costureiras mais fortes da série.
Apesar do Lip Sync na Semifinal, Moobs manteve a boa energia e a vontade de vencer, mandando embora uma já exausta Nikita Iman. De origem polinésia, a diva do ballroom discutiu temas de aceitação, além de protagonizar uma cena emocionante. No Makeover, dividiu o Win com Vybe e assumiu a identidade Faʻafafine.
Entretanto, quem avançou para a Final foi uma tímida Freya Armani, metade de um casal e inteiramente disposta a desfilar – mesmo que a confiança ainda não tenha florescido ao máximo potencial. Max Drag Queen, com quem Freya trocou beijos e carinho, foi uma das protagonistas do quarto ano – falando do luto pela morte recente da mãe e de um término de namoro, além de desfilar – e não decepcionar – frente à drag mother Isis Avis.
As peças do dominó caíram nos locais adequados e, num piscar de olhos, a franquia que antes carregava a sombra do bicho-papão, conseguiu se divertir e entreter. Michelle Visage aceitou com benevolência e gingado o papel de anfitriã e Rainha Mãe, divertindo-se e aconselhando suas novas filhas.
Embora o orçamento não pareça ter crescido, e as eliminadas nem desfilaram na Final nem participaram fisicamente do Reencontro, Down Under 4 atestou a importância e a vitalidade da versão australiana e kiwi de Drag Race. Do elenco, passaram pelo Ateliê as silenciosas Olivia Dreams e Lucina Innocence; a dona do pior look da season, Karna Ford e seu demogorgon vermelho, e até a vencedora do Snatch Game, Brenda Bressed, eliminada antes da metade da competição.
Com Lazy Susan, winner digna de elogios e excelente em criatividade, Drag Race Down Under não precisou da figura de RuPaul para segurar sua melhor – e mais intrigante – temporada até aqui. Após um Lip Sync final ao som do tema de Love Island, os votos são os seguintes: que Michelle continue no centro da imagem, que as queens do passado permaneçam em posição de mentoria e que o fantasma distante e tenebroso da season inaugural fique longe para dedéu.
Deixe um comentário