A noite de 31 de março de 1943 é uma das piores da vida de Lorenz Hart (Ethan Hawke), mas ele não vai demonstrar a inveja e o ressentimento. É a data de abertura do musical Oklahoma!, a primeira peça escrita pelo parceiro criativo de Larry com outra pessoa — e provavelmente será um sucesso de proporções inéditas.
Richard Linklater dirige o roteiro de Robert Kaplow com um Hawke enfeitiçado no papel principal. Na nona parceria do ator com o cineasta, ele se despede de qualquer pudor ou restrição, compondo Hart como um homem digno de pena e admiração. Praticamente um monólogo com pequenas intervenções externas, Blue Moon consegue a proeza de abrir uma ferida e admirá-la pela natureza sangrenta e pessoal.

Hart sai do teatro antes que a peça acabe, mas mente bem ao elogiar as composições de Oscar Hammerstein (Simon Delaney), o novo parceiro de Richard Rodgers (Andrew Scott). Cheio de platitudes e elogios vazios, o confessionário de Hawke acaba nas orelhas do barman Eddie (Bobby Cannavale). Também presentes na bancada, estão o pianista Morty (Jonah Lees) e o jornalista Andy White (Patrick Kennedy), que ganham o prazer de ouvir as opiniões e as tristezas do personagem central.
Mas sua ida ao teatro e posteriormente ao hotel onde Oklahoma! terá sua festa de estreia não é apenas por esta razão. Ele está enamorado por Elizabeth (Margaret Qualley), uma universitária que acabou de completar 22 anos e com quem ele troca longas e poéticas cartas.

Mistura de paixão carnal com a angelical relação de musa e criador, a correspondência com a jovem é feita primeiro nas memórias de Larry e depois na presença dela, a única pessoa para quem ele dedica atenção e audição, em uma das cenas que melhor expressam o poder de Hawke e seu domínio sobre um personagem que poderia morrer na caricatura.
O Lorenz Hart da vida real era baixo, embora a altura exata não seja conhecida. É sabido que Hawke é mais alto, portanto a produção cria artimanhas para ilustrar os muitos centímetros que separam o músico do resto dos transeuntes do hotel. Desde truques de figurinos até a construção de dutos onde o ator pisaria para contracenar, o trabalho físico de Hawke é também uma adição à composição do homem.

No quesito estético, a cabeça foi raspada parcialmente para que os apliques capilares capturassem com exatidão o penteado desejado, assim como os maneirismos de discurso e movimentação. Quando abre a boca, e deixa escapar os elogios, as citações a filmes e livros, e a adoração falsa pela fase da vida, Hawke desaparece e traz a vida um Hart descolado da realidade.
Ao seu lado, o trabalho mais bruto de Andrew Scott serve de apaziguador para o ambiente. Premiado com a honraria de Atuação Coadjuvante no Festival de Berlim, seu Rodgers precisa processar a presença do antigo parceiro e também aproveitar o momento que vive, ao lado de alguém que respeita limites, trabalha para valer e, o mais importante, não deixa que o alcoolismo comande sua agenda.
Hart chega ao bar implorando para que o atendente não lhe sirva dose alguma, mas ele termina Blue Moon vertendo meia dúzia de copos garganta abaixo. Exemplo crasso da autossabotagem que levaria o homem à morte indigna que abre o filme, há na direção um manejo fantástico da câmera e dos cortes, tornando a experiência noturna de Hart num imbróglio de vergonha alheia e desesperança.

Classificando a escrita do roteiro com base nas dezenas de cartas escritas por Hart e por Elizabeth, o trabalho de pesquisa, referências e de temporalidade é outro dos absolutos destaques de Blue Moon, um filme que usa da música de seu protagonista como trilha sonora não da ascensão da fama e das glórias da criatividade, em vez disso focando as lentes numa lenta e dolorosa queda do mais alto dos patamares. Hawke, em harmonia, entrega o retrato cru de alguém indisponível – e com força o bastante para negar as evidências tão expostas e tão materiais.


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