Will Ferrell não teria a carreira de sucesso que ostenta, do Saturday Night Live aos papéis no Cinema e no imaginário popular, sem a parceria com Harper Steele, roteirista, produtora e melhor amiga do astro. Após décadas de companheirismo, Will recebe um e-mail dela, que revelou a identidade trans e o início da transição.
Esperando contar com ele na nova – e desafiadora – fase da vida, Harper é recebida com mais do que amor e alegria. Will quer viajar com ela pelos Estados Unidos, de costa a costa, em um carro. A missão é, ao navegar pelas grandes cidades e pequenos vilarejos, a dupla entenda seu papel no mundo. Especialmente Harper, que sempre teve predileção por cerveja barata e conversa fiada no bar.
Para comandar o filme de viagem documental, o diretor Josh Greenbaum retorna ao origens da carreira, e mira em uma estética cinematográfica que antagoniza a premissa intimista do filme. Mais do que um estudo da América profunda (e da rasa, no caminho), Will & Harper entende seu papel como porta de entrada da grande audiência para temas estrangeiros.
Nesse caso, a existência de uma pessoa trans, que transicionou depois dos cinquenta anos e se recoloca nos ambientes que antes eram tão familiares. Para tal, o documentário percorre encontros casuais, na Nova Iorque que pariu e criou os amigos, que passam pelo estúdio do SNL e desfrutam um belo jantar ao lado de figuras como Tina Fey, Kenan Thompson, Colin Jost, Tim Meadows, Seth Meyers, Paula Pell e o chefão Lorne Michaels.
Para eles, reencontrar Harper, feliz da vida e mais leve, é um deleite que ultrapassa o humor já tão costumeiro do set. Ainda, o documentário focaliza a lente na relação entre ela e Will, que não se acanha em perguntar o que pensa, que, sorridente, responde com alegria e boa vontade. Há um clima de esperança e bem-estar que perpassa os quilômetros, mesmo que os ambientes, quanto mais conservadores, representem alertas na viagem.
Em estados como o Texas, Will calcula mal certas ações e coloca Harper em saias justas; prontamente, ele se arrepende e se desculpa. O tato, um bocado desligado do que alguém parte da comunidade LGBTQIA+ pressentiria há léguas, é inexistente, pela presença de dois homens heterossexuais, tanto encabeçando o título, quanto atrás das câmeras.
Exibido com classe e decoro no Festival de Sundance, Will & Harper foi adquirido pela Netflix e lançado mundialmente pela plataforma. Lá, encontrará a audiência fora da bolha que aprecia a comédia do SNL ou mesmo a carreira de Ferrell. Lá, alcançará a parcela menos esclarecida que pode enxergar na figura dele, o pai “bobão” de uma indústria hollywoodiana, alguém que merece ser ouvido e respeitado.
Sentimentos que podem, igualmente, estender-se a Harper Steele, uma mulher de fibra, humor de tiazona questionável, gostos estranhos para alimentos de beira de estrada e muita roupa suja para lavar. Nas questões de identidade e pertencimento, ela é porta-voz de temores e inseguranças, tal como de genuína alegria e amparo. Ao lado, inclusive, de outras pessoas trans, da mesma faixa etária e com história de vida semelhantes.
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