São Paulo é a cidade das contradições. Pode ser a Selva de Pedra durante o dia – apressada e hostil, com os prédios esmagando quem caminha em suas ruas. Ou a cidade que nunca dorme, lar dos desajustados, onde as noites coloridas revelam um mundo de acolhimento e pertencimento.
Baby escancara essas duas facetas na pele de Wellington (João Pedro Mariano). Recém-saído da Fundação Casa, o jovem se vê completamente sozinho em São Paulo, forçado a dormir em bancos de metrô, correr de policiais e rodar as ruas de madrugada. Os pais se mudaram para o interior sem deixar recado e o único refúgio do garoto é no grupo de amigos. Juntos, eles andam pela cidade, brincam, se divertem e cometem pequenos delitos aqui e ali.

É em uma dessas andanças, em um cinema pornográfico no centro da cidade, que Wellington conhece Ronaldo (Ricardo Teodoro), um garoto de programa experiente que o apelida de Baby. O mais velho o abriga em sua casa e introduz o menino no mundo da prostituição. Conforme os dois trabalham juntos, também se atraem um pelo outro, criando um vínculo que transita entre cafetinagem, romance e paternalidade.
Sob as asas de Ronaldo, Baby ganha uma nova família. O roteiro de Marcelo Caetano e Gabriel Domingues caminha fácil, com a dupla se aventurando e sobrevivendo nas ruas de São Paulo, fazendo o que for preciso para encontrar dinheiro, diversão e amor. No entanto, a hostilidade porta afora por vezes adentra o quarto que os dois alugam e a relação carinhosa é também marcada por inseguranças e obsessões.

Nesse sentido, a dupla de protagonistas brilha. Estreante no cinema, Mariano cria um Baby cheio de jovialidade, que sabe usar a malícia para conseguir o que quer. Do outro lado, Teodoro – premiado como Ator Revelação na Semana da Crítica em Cannes – assume uma figura generosa e experiente, dando o acolhimento que ele próprio não teve, sem deixar a dureza de lado. Juntos, eles encontram uma proteção compartilhada.
Ana Flavia Cavalcanti e Bruna Linzmeyer completam o elenco. A primeira interpreta a ex de Ronaldo, com quem ele teve um filho, e a segunda é a atual parceira dela. O casal recebe Baby com um membro daquele núcleo familiar. É na selva de pedra que, depois de ser abandonado pelos pais, Wellington ganha um novo nome e uma nova família, disposta a apoiá-lo e protegê-lo.

Já para quem diz que cenas de sexo não agregam em nada, Baby se orgulha de mostrar tudo à flor da pele. Seguindo a linha de outros filmes de Marcelo Caetano, que tratam sobre a juventude queer paulista, o longa não se esconde da nudez e do sexo. Os corpos nus são peça fundamental em mostrar o amor e a violência, a luxúria e o carinho da vida que a dupla leva.
Nisso, São Paulo surge novamente. Para quem conhece a cidade, reconhecer cada bar, esquina ou galeria aumenta a sensação de que há algo se passando entre nós que sequer temos conhecimento. Baby acontece nas ruas que passamos todos os dias, nas vielas e noites escuras que tanto frequentamos. A história de Baby e Ronaldo está entre nós, na metrópole dos desajustados e daqueles que precisam recomeçar.

Depois de estrear no Festival de Cannes, Baby rodou o Brasil: passou por festivais como a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e o Festival do Rio (onde venceu o prêmio de Melhor Longa de Ficção), e recebeu oito indicações ao Prêmio Grande Otelo 2025. Desses, Teodoro brilhou novamente, vencendo a estátua de Melhor Ator Coadjuvante.
O sucesso do longa-metragem continua. Baby está entre os 16 inscritos na pré-lista que pode representar o Brasil no Oscar do ano que vem. Pelo jeito, a São Paulo dos rejeitados ressoa para além das ruas caóticas da metrópole.
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