Elena Vernham (Kate Winslet) é chanceler de uma pequena nação na Europa Central. O cargo foi herdado do pai, um político que morreu aterrorizando o país e a ela. O trauma é tamanho que Elena, numa tentativa de reaver o controle da relação, mantém seu caixão-transparente alocado em uma ante sala do palácio. Na caixa de vidro, o idoso apodrece lentamente, enquanto a mulher se embebeda numa realidade orquestrada por e para si.
O palácio, de escopo monumental e decorado à brilhantina, tem suas entradas e saídas vedadas. Hipocondríaca e paranoica, ela diz a seus funcionários e servos que cheira um mofo inexistente. Caminha, para lá e para cá, com um medidor de umidade, repetindo números e porcentagens, em busca de um balanceamento utópico. Com a chegada de um brutamontes ao local, Elena repensa seu governo e a maneira como leva a vida.
O cabo Herbert Zubak (papel do belga Matthias Schoenaerts) entra em contraste com a governante. Ele, que tem no histórico um rastro de sangue e violência, prova-se como a fraqueza e a força da mulher. Um pedaço de mau caminho que Elena, sem perceber, começa a desbravar. Desta forma, O Regime narra um ano dentro deste governo prestes a ruir.
Vendida para a HBO como um “Downton Abbey dentro de uma autocracia”, a minissérie usa da comédia e do humor de alicerces para sua fundação. Não surpreende que a dupla que dirige tudo, Stephen Frears e Jessica Hobbs, tenha passagem por The Crown, e o criador Will Tracy, trabalhou com Succession. Kate Winslet firma uma terceira parceria com a emissora, distante de tudo que realizou no passado.
E ela não tem do que reclamar. Por Mildred Pierce, venceu o Emmy em 2011, e repetiu o feito com Mare of Easttown. O Regime, embora extravagante e chamativo, abre margem para que a inglesa brinque com o sotaque, os trejeitos, a postura e, principalmente, com a maneira que se expande em tela. E por mais que as aspas em entrevistas neguem que uma figura real serviu de matéria-prima para Elena, as evidências apontam para um padrão.
O tom de voz é reminiscente do usado pela falecida Rainha Elizabeth II, enquanto os penteados arrojados lembram muito os apresentados por Yulia Tymoshenko, ucraniana que serviu de Primeira Ministra por duas vezes nos anos 2000. Ainda, o lado negacionista, impassível e desagradável da protagonista lembram discursos e comportamentos que dominaram o lado de cá do mapa na última década.
Sem encontrar o nó de drama e comédia que dá sustância ao objetivo do texto e da direção, a série se perde no mar agitado. A sátira se mistura ao retrato mais brutal de trauma e negação, ao passo que os coadjuvantes entram e saem dos aposentos com pouco a fazer ou dizer. No time de Elena, destaca-se o marido banana, Nicholas, papel de Guillaume Gallienne, um pobre coitado.
A serviçal mais fiel é Agnes (Andrea Riseborough), de quem Elena praticamente empresta o filho, o pequeno Oskar (Louie Mynett). Vítima de convulsões e um sistema imunológico frágil, o garoto se presta ao papel de afilhado postiço da governante, que o trata como boneco de pano, posando em fotos, dando ensopados e se referindo como se fosse sangue de seu sangue.
O caráter desagradável de Elena aumenta e diminui com base na sua posição dentro do governo. O que começa no lado patético de uma mulher que não pode sentir o hálito de ninguém sem vomitar ou precisar de sedativo, passa por um processo de fortalecimento e união. Ao lado de Herbert, ela ganha confiança e corta laços com os Estados Unidos, representados aqui por uma política deslocada e amedrontada, vivida por Martha Plimpton.
Com a revolta do povo e a proximidade cada vez mais perigosa da China e de outras nações que podem enfraquecer seu reinado, Elena lida com fantasmas do passado. Para além do pai em putrefação, Hugh Grant faz uma pontinha na pele de um escritor de esquerda, destituído do cargo de poder máximo da nação e que agora vive nas masmorras de uma prisão.
Assim, a trama progride em ordem contrária. A tecnologia que regia o palácio, ultra avançado em termos de arquitetura e arranjo físico, vai sumindo e dando espaço para uma ambientação quase medieval. As revoltas sociais, junto da iminente tomada dos rebeldes, coloca os palacianos à mercê de velas, rações fracionadas e, pior ainda, uma escuridão que alastra-se pela alma.
A sede de traição é sanada e morta com a chegada da ruína prometida na premissa. O último capítulo, Não Comemore Ainda, injeta tensão e temor na fuga de Elena, trocando o filtro de agradáveis brisas da realeza por uma frieza cinzenta e sólida, marcando a ferro a posição da antiga governante e de seus ratos fieis. À beira do precipício, O Regime decide o destino de Elena à moda de seu período como soberana e ditadora: na sorte.
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