Para tudo há uma primeira vez: os músculos inchados de Dwayne Johnson não dão vida a um homem qualquer. Em Coração de Lutador – The Smashing Machine, The Rock sai de cena para que o ator atrás do carisma e dos números de bilheteria renasça em papel de vulnerabilidade e controle cênico. Vendido como a grande imersão do ex-lutador no Cinema dramático, o filme de Benny Safdie vive e morre pela mesma máxima.
Com o mesmo nome e premissa do documentário de 2002, The Smashing Machine acompanha alguns anos da vida de Mark Kerr (Johnson), atravessando o auge de sua carreira, seguida da queda que poderia significar o fim de tudo. Ignorando os impulsos mercadológicos de plastificar sua narrativa, Safdie, em voo solo, dirige o astro do MMA com compostura e em ângulos abjetos.

Para dosar o caso clássico de ascensão e declínio, Emily Blunt surge emperiquetada como Dawn, a namorada que transmite um amor intransponível e uma janela maior ainda para as recaídas. A troca entre os atores, comumente gravada em takes únicos e com espaço para improvisos, é capturada com ansiedade e remorso pela câmera de Maceo Bishop.
No marketing, a transformação de Johnson em Kerr tomou o foco, com o longo processo de maquiagem e de colocação das próteses estampando manchetes de veículos especializados e certa comoção da família do lutador atônita com a recriação de maneirismos, cadência da fala e até do jeito de andar.

Safdie troca a euforia de Joias Brutas por uma espécie de contemplação depressiva da autoimagem, constantemente alocando Johnson frente à espelhos que não apenas distorcem sua figura física, mas também o aspecto mental de alguém que se coloca em tamanha vulnerabilidade nos ringues.
Blunt, no alto de um penteado propositalmente artificial, representa um adversário que o namorado é proibido de enfrentar com a mesma gana que o faz com os diversos brutamontes que fazem de The Smashing Machine um festival de testosterona e suor. A homoeroticidade, tão comum ao Cinema dedicado aos esportes de contato e brutalidade, é menos evidente, tamanha a sina que Kerr carrega, escondida entre bíceps inflados e o peitoral marcado por golpes sem sinal de cicatrização.

Consagrado com o Leão de Prata de Melhor Direção no Festival de Veneza, Benny Safdie dissolve o caráter biográfico das engessadas produções americanas, em vez disso apostando na jornada emocional de um homem com muito a dizer e pouquíssima abertura para fazê-lo. Johnson engole os trejeitos de seu modelo com suavidade, falando de maneira calma e também contrapondo a gigantesca forma com o mais débil dos comportamentos.
No elenco coadjuvante, Safdie convoca figuras reais da trajetória de Kerr e os reúne com lutadores que arriscam-se na atuação: Bas Rutten, antigo técnico do protagonista, vive uma versão dele mesmo, assim como Stephen Quadros. E o realismo não ficou no departamento de escalação, com Johnson insistindo em ser golpeado por Kazuyuki Fujita (Yoko Hamamura), tudo pela arte e para demarcar, com exatidão, a confusão que apenas uma joelhada poderia propiciar.

Quer o árduo trabalho de Johnson, empenhado em conseguir abocanhar uma indicação ao Oscar 2026, seja recompensado ou não, é perceptível que os desafios de The Smashing Machine incentivaram o grande astro de Hollywood a explorar roteiros que fogem de explosões e de destruições urbanas que serão conquistadas por seu carisma e, vez ou outra, por coadjuvantes caricatos.


Deixe um comentário