O grupo revolucionário French 75 liderou investidas contra ações tirânicas do governo, resultando em pequenos incêndios alimentados pelo ódio à morte, a descriminação e ao preconceito. Mas tudo foi por água abaixo quando Perfídia Beverly Hills (Teyana Taylor, de Mil e Um), pantera negra que tomava a dianteira nas ofensivas, deu com a língua nos dentes, ganhou imunidade com o governo e saiu de cena à francesa.
Uma Batalha Após a Outra, o filme que Paul Thomas Anderson demorou duas décadas para escrever e dirigir, acompanha o tempo vazio entre o início do romance de Perfídia e Bob (Leonardo DiCaprio), e o crescimento da pequena Willa (Chase Infiniti), abandonada ainda bebe quando a mãe se aproximou de um coronel do exército.

Coronel Steven J. Lockjaw (Sean Penn) é um monstro irrepreensível que, ao subir ao mais alto dos rankings entre seus semelhantes na sociedade, precisa limpar seu passado e parte em busca de Willa. Na troca de ataques entre os três personagens, o filme adapta o livro Vineland, do mesmo Thomas Pynchon que inspirou PTA em Vício Inerente, agora menos interessado em fidelidade e mais em recriar a atmosfera de ação e tensão.
Uma Batalha Após a Outra é estridente e impassível, moldado pela câmera de Michael Bauman que dança balé ao redor de cenários feitos para a explosão do olhar do cineasta, incumbido com um orçamento inédito na longeva e cultuada carreira. O retorno é mais do que positivo, combinado ao elenco minuciosamente escalado para extirpar emoções dificílimas em conversas de franqueza e cumplicidade.

Nas margens, o sensei Sergio (Benício Del Toro) arquiteta uma vizinhança pronta para revisar o governo, nessa realidade quase alternativa em que os Estados Unidos dominam com ainda mais violência as populações vulneráveis. PTA visita campos de concentração modernos, não muito diferentes dos ambientes de crueldade que a polícia da imigração de Trump transformou em rotina na fronteira com o México.
Penn, vencedor de dois Oscars em papéis de protagonismo, ensaia cada toque e tique do vilão caricato e deveras cruel. Ao seu encontro, a atuação de Infiniti, em sua estreia nas telonas, é toda ela feita de olhares crus e reações de instinto primitivo. A jovem já havia esticado alguns dos músculos de dor na primeira temporada de Acima de Qualquer Suspeita, minissérie da Apple TV+ que colocava seu pai na mira de um julgamento de assassinato.

Regina Hall aparece pouco, mas sua Deandra é a âncora emocional de One Battle After Another, primeiro como soldado que protege a pequena garota, e mais tarde como agente em campo, propiciando o mesmo destino. No banheiro do colégio, os sons sincronizados dos dispositivos de segurança estendem o tapete para a maternidade de Hall, cutucando no fundo de Willa algumas das respostas que ela esperava nunca precisar dizer.
Na trilha sonora, Jonny Greenwood alterna pianos e cordas, relembrando inclusive o trabalho que PTA utilizou em Embriagados de Amor, o último filme de sua filmografia que se passava no “tempo presente”. A virada em Uma Batalha Após a Outra é daquelas que coroam uma filmografia de clássicos modernos e joias da Sétima Arte. Enfim realizando a profecia de trabalhar com DiCaprio, que recusou o papel principal de Boogie Nights para estrelar Titanic, Anderson propicia um dos pilares da carreira do ator.
Bob é um palhaço movido pela adrenalina e pelo senso paterno, correndo atrás de quem pode prejudicar a filha. DiCaprio, numa fase da carreira que varia sua gama entre as aparências (Era Uma Vez em… Hollywood) com a podridão interna (Assassinos da Lua das Flores), revigora o longa com impulsos elétricos, ocasionalmente encontrados na margem do ridículo e do humano.

No elenco de apoio, atores profissionais e não-profissionais fazem o trabalho duro de oferecer vitalidade e perigo ao mundo de Paul Thomas Anderson. Atrás das câmeras, o drama avança a linguagem cinematográfica e eterniza sequências que nascem antológicas; segundo filme gravado majoritariamente em VistaVision no século XXI (depois de O Brutalista), Uma Batalha Após a Outra fala da América vigente, da perseguição a qualquer um diferente e, em especial, do revolucionário ato de agir.
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