A chance de reinvenção não é facultativa para Eve Fletcher, uma mãe divorciada que está levando o filho para a universidade durante o final de semana que abre o romance. A síndrome do ninho vazio é o menor de seus problemas, como o autor Tom Perrotta apresenta logo em suas sentenças iniciais: a protagonista é uma mulher que se sente refém do passado e amordaçada pelo presente.
Ela trabalha num emprego qualquer, dirigindo um Centro para Idosos e acumulando funções a torto e a direito. No local, tem pouca ou nenhuma ajuda, e a contratação de Amanda, uma jovem adulta toda tatuada e alheia aos pacientes do local, deixa Eve primeiro desconfiada e depois maravilhada.
Publicado em 2017, Sra. Fletcher aumenta o calibre social de Perrotta, que escreveu os igualmente borbulhantes Criancinhas (adaptado para o Cinema como Pecados Íntimos em 2006) e Os Deixados para Trás (originando a série The Leftovers). Longe dos problemas sociais ou de questões materialistas, o americano dedica trezentas páginas ao reacender de uma mulher desligada.

A narração em terceira pessoa por parte de todos os personagens adultos ajuda a quebrar a expectativa de uma visão derrotada da rotina vigente. É Brendan, o filho de Eve, quem ganha ponto de vista primário, com suas percepções sobre a mãe, a namorada, os colegas de faculdade e o mundo real chegando aos leitores como projéteis descontrolados.
Diferente do que o recente De Quatro propaga sobre a solidão e o prazer feminino depois de uma certa idade, Sra. Fletcher trabalha com a idealização e a imaginação, colocando Eve, seus colegas e sua família em pé de igualdade no que tange o desenvolvimento pessoal.
O livro, publicado pela Planeta sob tradução de Flávia Souto Maior, ainda mostra Eve frequentando uma aula na faculdade comunitária. O tema do curso é Gênero e sua construção social, com uma professora trans que movimenta o drama para além de questões identitárias. Com romance, fragilidade e reflexão sobre o mundo de hoje, Perrotta conta um prisma de experiências complementares.

Até o caminho sexual que Eve chega, quando recebe uma mensagem a chamando de MILF, a história consegue descascar o desejo para fora dos espectros dominantes, mostrando como o vício em pornografia e as decisões impulsivas são parte de um problema maior, mesmo para as mulheres. Para a sorte da protagonista, o ser onisciente que conta sua história faz questão de caprichar nas curvas de adrenalina.
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