A Vida de Chuck e as piruetas sentimentais do fim de tudo

Vencedor de 2024 no Festival de Toronto, filme é drama com requintes de reflexão melancólica

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A parceria entre Mike Flanagan e Stephen King não é de hoje, mas A Vida de Chuck propicia novas abordagens para a dupla. Baseando-se num conto do Rei do Terror, o cineasta é confrontado com uma narrativa fora de ordem que conta a origem de um homem comum. 

Este homem é Charles “Chuck” Krantz, vivido na idade adulta por Tom Hiddleston, mas que ganha fibra e coração em momentos pregressos a esta maturidade. Na primeira infância, é um garoto atravessado pelo luto dos pais, morando com os avós. Anos depois, encara a vida menos como aventura e mais como campo minado.

Chuck foi escrito no livro Com Sangue, que rendeu a adaptação O Telefone do Sr. Harrigan; para o futuro, Flanagan lançará a série de Carrie, a Estranha (Foto: Diamond Films)

As figuras paternas de Chuck, papéis de Mia Sara e Mark Hamill, estão ali para guiá-lo da melhor maneira dentro do labirinto emocional que é o processo de amadurecer. Ao passo que os anos saltam uns sobre os outros, o garoto, agora um jovem adulto, usa esses ensinamentos como regras.

Mas A Vida de Chuck não oferece respostas simples a quem assiste: pelo contrário, a montagem, à cargo do diretor, começa no terceiro ato, acompanhando um professor do Ensino Médio e sua ex-esposa enfermeira numa amálgama melancólica que toma conta do planeta.

A Vida de Chuck venceu o prestigiado Prêmio da Audiência em Toronto 2024, mas a Neon guardou o lançamento para a temporada de premiações seguinte (Foto: Diamond Films)

Enchentes destroem cidades, terremotos esfarelam metrópoles e até a energia parou de ser difundida pelos postes. Os celulares tornaram-se obsoletos, e a TV transmite apenas um chiado. Há uma exceção: uma propaganda estampada por um homem de meia-idade, sorrindo com uma caneca de café em mãos. Obrigado, Chuck pelos 39 anos.

Ninguém sabe de onde saiu esse sujeito, e nem como ele financiou os programetes, outdoors e até propaganda impressa nos bancos da cidade. O que se sabe é que, por trinta e nove anos, ele faz algo de bom, e é parabenizado por tal ação.

Cody Flanagan, filho do diretor e da atriz Kate Siegel, vive Chuck quando pequeno; os retratos posteriores ficam com Benjamin Pajak e Jacob Tremblay (Foto: Diamond Films)

Flanagan troca o terror de Doutor Sono e Jogo Perigoso, primeiras colaborações com King, pelo espiritualismo e boa camaradagem do conto original. Guarda, porém, uma sequência especialmente carregada de escuridão e temor, no clássico toque do autor americano.

Na casa dos avós, Chuck é proibido de adentrar o sótão, local trancado com aqueles cadeados enormes que precisam de muito manejo para serem abertos. Um dia, ele destranca a porta, mas o avô impede a entrada. Estando ali, o homem espia a cena, com os olhos sangrando de medo.

O elenco reúne as estrelas da filmografia de Flanagan com novos rostos: Chiwetel Ejiofor, Karen Gillan, Carl Lumbly, David Dastmalchian, Harvey Guillén, Matthew Lillard, Rahul Kohli, Violet McGraw, Kate Siegel, Samantha Sloyan, Heather Langenkamp e a narração de Nick Offerman (Foto: Diamond Films)

Ali, como Chuck descobrirá quando for tempo, está a gênese do filme: a ideia de que saber o futuro é tão prejudicial quanto encarar ele às cegas. No meio do caminho, Hiddleston tem a chance de interpretar um homem avesso ao que esperam dele, e alguém destinado a remexer com qualquer um que cruze seu caminho.

A cena da dança que acontece na metade da história é apoteótica por inúmeras razões. É ali que Flanagan decanta o sumo de King, numa coreografia de liberdade e evocação do sentimento humano mais cru e desnudo, a empatia.

“A espera é a pior parte” (Foto: Neon)

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