Em Amores Materialistas, a conta não fecha

Novo filme de Celine Song verte para o amor sem idealizações fantasiosas

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Para a bem-sucedida Lucy (Dakota Johnson), os relacionamentos podem ser solucionados como uma questão matemática. Em sua profissão de casamenteira para a classe abastada de Nova York, tal máxima reflete no modo que age e como emparelha seus clientes. Amores Materialistas, portanto, recusa o romance e parte para a análise fria da condição humana. 

Celine Song usou o prestígio de Vidas Passadas para escrever e dirigir uma comédia anti romântica, ou drama de amadurecimento tardio, que acompanha um trio de adultos em direções opostas da vida. Não é um filme de triângulo amoroso, tampouco se presta a consumar as esperanças do público do gênero.

Celine Song trabalhava como casamenteira em Nova York antes de dedicar-se ao Cinema, e traz muito de sua experiência para o texto do filme (Foto: A24)

Lucy há muito terminou com John (Chris Evans), um ator de teatro que tem mais contas a pagar do que papéis no currículo. Na cerimônia de casamento de uma de suas clientes, ele serve ela como garçom enquanto o irmão do noivo, Harry (Pedro Pascal), admira a beleza da mulher.

Com todos cientes das dinâmicas frente a eles, Song desata a desconstruir o romance como ideal fantasioso e coloca na boca de Johnson as falas mais céticas de seu filme: ela não é uma pessoa boa e liga mais do que deveria para o dinheiro.

Daniel Pemberton é responsável pela etérea trilha sonora, que ganha um presente nos créditos: a vibrante canção original My Baby (Got Nothing At All), da banda Japanese Breakfast [Foto: A24]

Se Vidas Passadas falava de um amor de pertencimento e usava a linguagem como ponte para o âmago de alguém, desta vez o mote é centrado nas desilusões que aterrissam junto da maturidade e daquele instante em que, sozinhos no mundo, percebemos que o destino é menos imprevisível do que aparenta.

Nas trocas com os dois pretendentes, Lucy desabrocha diversas faces de sua índole como vendedora de amor. Sua visão otimista só se estilhaça quando uma das clientes sofre com a violência que ela, como intermediária, falhou em desvendar. 

Na interpretação histérica de Zoë Winters, Dakota Johnson ganha uma parceira de cena que não busca conquistá-la, e enfim desafia as ideias que Lucy pregou para si e para seus próximos desde que entendeu como o jogo é jogado. Em contraste, quando ampara as angústias de Charlotte (Louisa Jacobson), o discurso é decorado e apetece os pontos fracos de quem ouve.

Para Materialists, Song recruta mais uma vez o trabalho caprichado de Shabier Kirchner na fotografia, eternizando uma cidade que desabrocha apesar dos pesares (Foto: A24)

A tristeza heterrosexual, aqui analisada pelas lentes abrasivas de uma monótona rotina de reuniões, ligações e acordos, ganha acordes cômicos pela seriedade que o roteiro destaca certos pontos. Quando Lucy descobre a maneira que seu “unicórnio” Harry burlou as regras e subiu na escala de desejo, toda sua visão brilhosa desvanece.

Resta, portanto, a retomada do passado, que é menos avantajado ou arrojado que o desejado, mas ainda dedilha suas emoções como ninguém. Se a escalação de um bonitão como Evans no papel do ex-namorado fracassado cria uma vertigem na audiência, Materialists compensa com a devassidão dos temas que trata.

São problemas inexistentes no “mundo real”, aos quais Dakota Johnson leva tempo para canalizar em cena. Ela troca as frases mais vazias com os homens e mulheres que a rodeiam, muitas vezes em posição de demasiada clarividência quanto ao funcionamento de um mundo mesquinho. A chefe, papel de Marin Ireland, demonstra na carne que as mazelas da modernidade podem sim ser esquecidas quando se olha o plano maior. Lucy, para azar dela mesma, não enxerga mais dessa forma. 

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