Com Fernanda Montenegro irradiando garra no papel principal, o filme biográfico dirigido por Andrucha Waddington vendeu-se sem dificuldades. A estreia, marcada para a semana seguinte ao triunfo de Ainda Estou Aqui no Oscar 2025, ajudou a sedimentar Vitória como esse testamento do Cinema brasileiro e, portanto, uma experiência imperdível. Com 5 indicações ao Grande Otelo, a tese é debatível.
A abordagem clássica de um drama solitário de uma idosa contra o sistema cabe bem ao porto do filme, a segunda produção com selo original Globoplay e com certa aura de telefilme, filmado às pressas e sem devida autoralidade. Waddington, genro de Montenegro, assumiu o filme depois da morte de Breno Silveira, diretor que idealizou o projeto, falecido no primeiro dia de gravações.
O roteiro, escrito pela viúva de Silveira, Paula Fiúza, com base no livro Dona Vitória Joana da Paz, de Fábio Gusmão, foi escrito antes da revelação da identidade real da personagem principal. Negra, ela passou 17 anos protegida sob o apelido de Vitória, sem mais detalhes. A revelação aconteceu em 2023, após sua morte, e depois do fim das filmagens.

Montenegro, capturada com atenção aos mínimos detalhes de seu olhar, marcas do tempo e aparente fragilidade, decanta uma performance poderosa e radiante. Ela, que mais observa do que qualquer outra coisa, serve de receptáculo para a garra, a resiliência e o senso de justiça da protagonista, mimetizando uma jornada de preservação às custas da própria segurança.
Quando esbraveja na reunião de condomínio, ou quando visita a delegacia só para receber negativas, e mais ainda quando dança na boate ao lado de Bibiana (Linn da Quebrada), a Grande Dama da Teledramaturgia expressa a vivacidade e a luminosidade de sua estrela. É magnífico de se testemunhar.

Na história, ela grava da janela semicerrada os trâmites do tráfico carioca, angariando material suficiente para desmontar uma operação há muito estabelecida no local. A câmera de Dona Nina, agente primário na construção física de sua vida, é observada com cautela pelo diretor, que evidencia, em partes iguais, o lado humano da operação. Nas olheiras, rugas, magreza e lentidão da idosa, ele acentua sua presença no local.
A solidão é a última armadura de Nina, que caminha com um guarda-chuva que a protege dos raios solares, e também serve de amparo para as andanças pelo morro. O pequeno Marcinho (Thawan Lucas) primeiro é acompanhante inocente, e depois coopta-se para as linhas inimigas. O jornalista Flávio (Alan Rocha) faz o caminho inverso, e acaba sendo a saída de Nina da favela – e do perigo de suas ações heroicas.

Na rotina de vazios, a vida de Vitória acontece – e o filme faz o suficiente para emocionar e destacar Montenegro. No Grande Otelo 2025, foram 5 indicações: Direção, Efeito Visual, Som, Trilha Sonora e Atriz Coadjuvante, para Linn, que surge radiante nos poucos momentos de tela. Vergonha da Academia Brasileira, que deixou a protagonista de lado, e sem lembranças para o protagonismo daqui ou para a pontinha inesquecível no filme da filha. Vai entender.
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