Sátira do que há de pior na indústria, A Franquia sofre com desgaste viral

Comédia da HBO tem coração no lugar certo, mas rema contra a maré do cansaço coletivo

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A ideia, como boa semente da TV norte-americana, nasceu num almoço corporativo. Sam Mendes (de 1917 e Beleza Americana) contava à Armando Iannucci (de Veep e A Morte de Stálin) o inferno criativo que foi trabalhar nos filmes de James Bond. O princípio do encontro era discutir uma produção inédita – que por acaso nasceu da tragédia passada.

Jon Brown foi contratado como produtor executivo e criou A Franquia (The Franchise), comédia da HBO dedicada a parodiar os bastidores de um arrasa-quarteirões, do baixo escalão até os figurões. O protagonista é Daniel (Himesh Patel), primeiro assistente de direção que lida com os pepinos diários: ele é humilhado, xingado, obrigado a agradecer e pedir bis.

A atriz Katherine Waterston interpreta uma vencedora do Oscar que dá papel a uma heroína odiada pelos fãs machistas; te lembrou alguém? (Foto: HBO)

Abaixo dele na folha de pagamento, a recém-contratada Dag (Lolly Adefope), 2ª assistente de direção, leva tudo na esportiva e até se diverte em meio ao caos e o escrutínio de um set comandado pelo diretor alemão Eric (Daniel Brühl). Requerido para replicar a “genialidade” de seu Cinema anterior (com direito a um Leopardo de Ouro em Locarno), ele vê os sonhos – e a alma – se despedaçarem.

O super-produtor Pat (Darren Goldstein), munido do mesmo boné que tornou característico sua “contra-parte” do mundo real, é o pé-no-saco mais esquentado e impaciente de todos. Só enxerga cifrões, pesquisas e atende os pedidos de Sean, o cabeça do estúdio que nunca dá o ar da graça, em rituais de religiosidade e devoção. Assistido pelo capacho em forma de jovem adulto Bryson (papel de Isaac Powell), o lado corporativo de A Franquia não poupa ninguém.

Os sempre ativos Trent Reznor e Atticus Ross são responsáveis pela trilha sonora de A Franquia, ao lado de Jeff Cardoni (Foto: HBO)

Ao lado de Eric, Steph, uma assanhada revisora de roteiro ganha o timing cômico e as caras e bocas de Jessica Hynes, e faz questão de flertar com um dos figurantes. O pobre coitado Rufus (Justin Edwards) que tem seu papel cortado e picado, passa de homem-musgo até tartaruga gigante e precisa ser depilado dos pés ao mindinho para ter o corpo moldado por gesso em mais um dos figurinos bizarros que só farão sentido na pós-produção.

Ainda está em cena uma produtora de prestígio e pouco controle, Anita (a Aya Cash, de The Boys). E isso sem falar nos atores principais: um garanhão desmiolado que toma bomba para manter o físico de Adônis, Adam (Billy Magnussen), e um britânico casca-grossa, chato para dedéu que tem o currículo no Teatro pronto para ser declamado a qualquer instante, Peter (Richard E. Grant).

A série convoca os trabalhadores da casa, recrutando mentes que já comandaram The Last of Us e Succession (Foto: HBO)

A Franquia, em oito episódios de meia-hora, brinca de satirizar as produções e os bastidores do que se tornou o Cinema popular na última década. Mudanças repentinas de roteiro, inserção de personagens aleatórios, continuidade com outros filmes, cortes do estúdio, gravações noturnas e externas. Tudo dá errado e nem sempre se resolve na comédia de erros e graça constrangedora.

A estreia televisiva de Sam Mendes, que dirige o piloto, dá o tom seco e sarcástico da produção de Iannucci, que não chega perto da anarquia de Veep. Considerando o escopo coberto por outras lentes, como é o caso de The Boys, as piadas são menos eficientes ou instigantes. Nem a chegada de um ator bacaca que interprete um herói mais ridículo ainda (Nick Kroll) dá conta de energizar A Franquia.

O resultado, de maneira alguma, é descartável ou de se jogar no lixo. Pelo contrário, o que a comédia prima, e executa com precisão, é o enlouquecimento que as engrenagens despertam no mais cético dos realizadores. No fim, não importa se o cenário está péssimo, o som mal captado ou os atores de birra com os outros – tudo se resolve na pós. E com as loucuras que tornaram-se notícias do lado de cá, a ficção precisa dobrar o esforço para se colocar de igual para igual.

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