Capturados com a lascívia habitual da safra de Ryan Murphy, os protagonistas da antológica Monstros não são o tipo comum de assassinos da TV. Bronzeados, com belos sorrisos, tanquinhos congelados e até a lábia que impressionou dirigentes da faculdade e qualquer amigo que cruzou seu caminho. Os Irmãos Menendez são mesmerizantes de olhar, mas é na ausência de barulho que se esconde o terror.
Lyle (Nicholas Alexander Chavez) e Erik (Cooper Koch, de Swallowed e They/Them) mataram os pais numa noite de agosto de 1989. Usando escopetas, sem ligar para o barulho ou para a fumaça dos tiros, fuzilaram Jose (Javier Bardem) e Kitty (Chloë Sevigny), e foram fazer hora no Cinema e no restaurante. Voltaram para casa, ligaram para a emergência e foram acudidos. Prontamente, a máfia foi culpada.
Afinal, o empresário e produtor musical Jose, responsável pelo sucesso do Menudo nos Estados Unidos, tinha inimigos em lugares poderosos. Os irmãos, à época com 21 e 18 anos, caíram na gandaia – suspeita, irresponsável e uma das emboscadas que acabou colocando-os na mira da polícia. Isso e a confissão para o psicólogo, o doutor Oziel (Dallas Roberts).
Depois de causar comoção e repúdio com a história de Jeffrey Dahmer, a série da Netflix retorna menos polêmica e contundente. Os monstros do título, que outrora poderiam ser referência aos autores do crime, logo passam para as vítimas. Como os registros apontam, Erik e Lyle foram abusados sexualmente pelo pai, com o aval da mãe, no que se configurou um dos casos judiciais marcantes na extensa mitologia de assassinos que os Estados Unidos cultua e imortaliza.
Ao longo de 9 episódios, que passeiam pelo fatídico assassintato, os meses que o antecederam e os anos na cadeia, Monstros: Irmãos Menendez: Assassinos dos Pais usa do clássico título aos moldes do algoritmo e versa sobre os diferentes tipos de abuso. O sexto capítulo, Don’t Dream It’s Over, que visita o casamento de Jose e Kitty da aurora ao crepúsculo, é vital no retrato que Javier Bardem emprega no grotesco homem.
Carrancudo como as máscaras que servem de proteção contra maus espíritos, Jose é ele mesmo a presença maligna na vida da família. Imigrante, foragido da Revolução Cubana e sem um tostão no bolso, sua jornada foi marcada pela dor como sinal de “amor” e proteção. Não assusta que, casando com uma volátil e despreparada Kitty, o futuro reserve as piores maldições ao lar.
Tão impressionante quanto o trabalho de Bardem é o reflexo de reações que seus filhos fictícios apresentam. Em The Hurt Man, a câmera do diretor Michael Uppendahl congela num único ângulo e filma Cooper Koch por trinta e seis minutos, com o jovem ator se despindo de qualquer armadura ou negação, e narrando com detalhes e memória os anos de abuso, estupro e tortura que sofreu do pai.
Menos sensacionalista que o senso de mortalidade e veneno que Dahmer despejou na audiência – e nas famílias das vítimas do criminoso -, a história de Erik e Lyle dosa o homoerotismo e o drama criminal, dois dos pilares do arsenal de Ryan Murphy. A percepção pública a respeito dos garotos, de seu apelo sexual até as mais diversas teorias da conspiração, estão no centro do roteiro, que não priva os pecados ou absolve-os, capitaneada pela brilhante presença de Nathan Lane como o jornalista da Vanity Fair, Dominick Dunne.
Por mais que o momento de Ícaro criativo de Murphy, alcançado na temporada inicial de American Crime Story, não se repita com facilidade, a mera inversão de valores e papéis de Monstros é motivo suficiente para sustentar sua duração. Além de que, pós-Dahmer, fazer uma pausa no retrato do brutal e do sádico apenas desafoga a antologia, com o protagonismo de Ed Gein já confirmado como a próxima parada.
Os casos inspirados em crimes reais se alimentam, com a fama de Dahmer sendo comparada à dos Irmãos – e a chegada de OJ Simpson à cadeia, eclipsando a opinião pública sobre Lyle e Erik. Ciente de onde descansa suas cartas, e em total controle do poder da ficção, Murphy e o co-criador Ian Brennan cristalizam seus Adônis em sofrimento em perdição, congelados no pior momento de suas vidas. São 7 anos, 2 julgamentos, uma série de terremotos e a certeza de que a liberdade não passa de imaginária.
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