Os Outros marcou uma nova fase nas produções originais do Globoplay, que buscava verter suas histórias mais para o lado dramático e menos para o habitual novelesco. A temporada 1 começou forte: com meia dúzia de capítulos que mesclavam com precisão a alquimia do particular em contraste ao público. A reta final, porém, acendeu um alerta desagradável.
Ao afastar-se do núcleo familiar e focar na figura violenta de Sérgio (Eduardo Sterblitch), o criador Lucas Paraizo demonstrava a predileção pelo choque vazio. A notícia de que a série voltaria para um segundo ano, e apenas com parte do elenco original, foi o primeiro soar as trombetas do caos e do declínio. Dito e feito: Os Outros, na segunda temporada, perde todas as qualidades que fizeram de seu início tão marcante.
Agora, sem a presença hipnótica de Maeve Jinkings e Paulo Mendes, os doze capítulos mudam de endereço, mas mantêm-se atados ao núcleo de ascensão do miliciano de Sterblitch. Avô do neto nascido da união desventurada de Marcinho (Antonio Haddad Aguerre) e Lorraine (Gi Fernandes), o homem tem a família sob vigilância e pressão.
E nada o impedirá de concretizar os planos de abrir um cassino no novo condomínio. Nem a errática e impassível Raquel (Letícia Colin), corretora de imóveis com síndrome de protetora que não consegue engravidar do marido Paulo (Sérgio Guizé), um personal trainer que ela resgatou do vício em drogas.
Patinando entre a religiosidade performática que a vizinha professa, Sérgio ainda afasta a figura descontrolada de Cibele (Adriana Esteves), que risca a vitrola ao cacarejar a mesma frase por muitos e muitos episódios: cadê meu filho? Bem, ele está protegido pelas asas de Sérgio, e por osmose, absorve do sogro o que de pior ele oferece.
Não bastasse a catinga que atravessa a tela e atinge as salas de casa, Marcinho é monotemático em voz e entonação. Culpa que recai tanto no roteiro, tão blasé e óbvio, quanto da direção, que desampara o jovem ator, e mergulha ele em situações para lá de desconfortáveis. Aguerre é engolido, mastigado e cuspido por cada um dos companheiros de cena, independente do tom da cena.
Absurda e repetitiva, a temporada demora a enfatizar seus temas, entoando em pútridas sequências o mais básico e mais esperado no que diz respeito ao retrato brasileiro. Traço que a temporada 1 trabalhava com primazia e acidez, e agora toma ar de sátira que passou do ponto. Colin, Esteves, Guizé e Mariana Nunes incorporam da maneira mais autêntica possível, mas nada se salva. Sobra até um enredo de traição com capacete de realidade virtual que, como dito, não resulta em nada.
Desperdício do talento dos atores, assim como do orçamento da emissora, que poderia apostar em Os Outros na veia antológica que ela tanto emula na direção e na fotografia: são cenas de imensidão pública, quando os personagens se camuflam no céu branco do Rio de Janeiro ou na água turva que banha qualquer porção de oceano. Fica evidente como esse mundo é deserto, desabitado e isolado.
A pompa entra no caminho do propósito, e cada corte, inserção ou intervenção artística é mais vazia do que deveria. Sem caprichos, Lucas Paraizo arruina o que era uma produção de solidez narrativa e temática, provando que boas ideias vêm de vez em quando. E se nem Adriana Esteves ou Leticia Colin conferem qualquer credibilidade ou fator de elogios a sua série, é hora de repensar os rumos da carreira. Infelizmente, Os Outros foi renovada para a 3ª temporada.
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