Esgotado no Brasil, o romance de James Clavell que deu origem àXógum: A Gloriosa Saga do Japão se estende ao norte das mil páginas. Uma narrativa densa e complexa, que reúne uma porção de guerreiros e governantes no impasse que marcou o período sem um imperador em exercício. O drama do FX, criado por Rachel Kondo e Justin Marks, é daquele tipo que arrebata de supetão.
O orçamento é de cair o queixo, e faz valer cada centavo de dólar: apesar de ser majoritariamente falada em japonês, a série é produção norte-americana. Fosse este um documentário, veríamos o pirata John Blackthorne desenrolando suas ideias em português, o idioma da época, ainda mais tratando-se de uma parcela da colonização nos anos 1600.
O Imperador morreu, e seu filho é jovem demais para assumir o Trono. Até que o garoto alcance a maioridade, um conselho de cinco soberanos governa e rege o território do Japão, constantemente atravessado por expedições marítimas e a incisiva presença de padres portugueses, interessados em expandir a religião com os nativos.
O inglês Blackthorne (papel de Cosmo Jarvis) fareja as contradições e abre o jogo para Yoshii Toranaga (Hiroyuki Sanada), o regente que lhe capta e prende. É óbvio para o estrangeiro que há um complô a favor do catolicismo, que mina e explora as regiões menos avançadas da Ásia. O lorde escuta o forasteiro, apelidado de Anjin (piloto, em japonês), que logo ganha status de novidade no exército.
Ao mergulhar a audiência no período histórico dos Shogunatos, a série não precisa dizer muito. Guarda todo o esplendor na criação de cenários, dos templos e residências aos jardins zen que ilustram a abertura; e também nos figurinos, que respeitam os registros históricos e trazem à tona traços da cultura. Nos penteados, os cortes de cabelo e arranjos de ornamentos são de babar, assim como as armaduras, as espadas, leques e pergaminhos.
O investimento da emissora, a nível de temporadas grandiosas da fantasia e de reinos inventados, transpõe à Shogun o esmero e a riqueza que só o bom gosto e o preparo podem propiciar (e aos gostos das premiações, como confirmou a lista do TCA). Kondo, novata no ramo, é dupla de Marks, indicado ao Oscar pelo roteiro de Top Gun: Maverick. No time de diretores, Frederick E.O. Toye comanda 4 dos 10 capítulos, fazendo valer a graduação que teve em produções como Westworld, Fallout, Watchmen, The Good Wife e Lost.
Credenciais não faltam, e o protagonista Hiroyuki Sanada é também produtor e parte vital na realização da série. Bom lembrar que, nos anos 80, o romance foi adaptado para a TV e fez bonito no Emmy daquele ano, indicando 6 atores e vencendo 3 das 14 indicações. Em 2024, a História se repetiu, com Shogun garantindo o pódio, com 25.
Favorita ao troféu de Melhor Drama, tem amplo carinho dos atores (que indicaram 5 intérpretes, entre principal, coadjuvante e convidado) e fez a farra na lista das técnicas. Se você trabalhou em qualquer departamento de Shogun, é provável que sua área tenha sido reconhecida pela Academia de TV. Em Roteiro, concorrem 2 episódios distintos, o piloto Anjin e o nono capítulo, Crimson Sky.
A fantástica Anna Sawai, que vive Toda Mariko, escolheu Crimson Sky como sua Emmy tape e, se vencer, será mais do que merecido. Na trama, ela vive uma filha em desgraça pelo legado do pai traidor, que depois leva um casamento infeliz e cheio de obrigações até conhecer Blackthorne e tornar-se sua tradutora para com as audiências com Toranaga. Da relação simples, nasce um imbróglio de sentimento, honra e dever que culmina na penúltima hora, com a Lady Mariko dando sua essência ao juramento que fez anos atrás.
Cruel e brutal, o mundo de Shogun carrega os costumes e a calmaria que reina nas relações de poder e de submissão. É tudo ancorado no campo do maximalismo, com construções visuais que perdem-se de vista: seja nos mares, no terremoto ou no abismo sentimental que arrebata as relações. Traição, lealdade e acerto de contas são os temas mais vistosos da série.
Inicialmente planejada como Minissérie, a emissora renovou Shogun em forma de antologia e planeja contar histórias distintas do Japão em tempos de feudalismo. E, se a primeira temporada, encarregada de admirar um mundo em transformação enquanto o destrói de dentro para fora, apenas o futuro guarda as respostas do que estará à frente. Com tamanha grandiosidade, será difícil superar a solidez apresentada.
E no ano em que o FX se viu dominando os tópicos de conversação com suas diversas produções (Shogun em Drama, O Urso e Reservation Dogs em Comédia, e Fargo em Minissérie), um provável monopólio de troféus não seria inesperado ou surpreendente. Igualmente se alinharia aos movimentos da Academia, que edições atrás premiou a Round 6 com meia dúzia de estatuetas douradas, e busca incessantemente expandir para além do inglês seu paladar.
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