Tudo Que Imaginamos Como Luz só tem olhos para o futuro 

Premiado em Cannes, filme indiano refresca a 48ª Mostra de SP

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Antes mesmo do lançamento, Tudo Que Imaginamos Como Luz já estava acumulando estatística e êxitos: trata-se do primeiro longa indiano a estrear dentro da Competição Oficial de Cannes em 30 anos – e saiu da Croisette com o Grand Prix, a medalha de prata do júri presidido por Greta Gerwig. Os motivos para elogios não são nada estranhos, já que a diretora e roteirista Payal Kapadia imprime simpatia e otimismo num ecossistema carente de luminosidade. 

Na Mostra de SP, integra tanto o Foco Índia como a Competição Novos Diretores, sendo apenas o segundo filme da carreira de Kapadia, premiada em Cannes alguns anos atrás pelo documentárioA Night of Knowing Nothing em uma das competições paralelas do Festival. E, seguindo a partitura de homenagens que a seleção da 48ª edição faz do Cinema indiano, em especial na escolha de Satyajit Ray como vitrine do ano, All We Imagine As Light destoa do habitual. 

O longa não foi submetido por nenhum país ao Oscar de Filme Internacional, mas a distribuidora tenta vagas nas demais categorias, como Roteiro e Melhor Direção (Foto: Janus Films)

Na trama, duas enfermeiras de Mumbai levam a vida com calma, silêncio e um pouco de senso de aventura. Além de trabalharem juntas, dividem um pequeno apartamento. Nele, a experiente Prabha (Kani Kusruti) sente falta do marido que visita a Alemanha à trabalho e nunca lhe telefona ou escreve, e também é mentora da jovem Anu (Divya Prabha), que esconde o namoro com um garoto que os pais jamais aceitariam no casamento arranjado que tanto prezam para ela.

No hospital, quase nada de extraordinário acontece. Ao menos, à plena vista, já que as mulheres são verdadeiros anjos na vida das pacientes, receitando medicamentos que previnem gestações indesejadas e procedimentos que terminam aquelas que já estão consumadas. Em contraponto, o peso hierárquico dos costumes e da classe social está todo ancorado nos ombros delas, que buscam um refúgio praiano para espairecer.

A diretora trabalha constantemente no embate entre o costume e a novidade: se por um lado as mulheres são obrigadas a seguirem certos passos, as personagens burlam as regras e oferecem saídas pela beirada (Foto: Janus Films)

Lá, em companhia da senhora Parvaty (Chhaya Kadam), em processo de aposentadoria, as duas protagonistas encontram seu meio de manipular a vida. Prabha salva um homem afogado, a quem devolve o ar e canaliza um avatar do esposo isolado. Enquanto isso, Anu divide a intimidade sexual com o namorado Shiaz (Hridhu Haroon) e amadurece aspectos em desenvolvimento da própria personalidade.

A luz que intitula a obra, uma coprodução de Índia, Luxemburgo, Holanda e França, está nos detalhes banais e ordinários que compõem o dia. Uma viagem de ônibus com lugar para sentar, um presente importado que desperta sentimentos corrosivos e um pretendente que não aceita não como resposta são desafios comuns e presentes para as enfermeiras. Em um filme solar, onde a violência está tão misturada ao mundo que fossiliza-se entre as estátuas e as cavernas, a diretora Payal Kapadia elucida a penumbra com pequenas certezas. 

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