Se tem algo que o Brasil prova-se produtivo de forma constante é na formação de mitos ao redor de seres humanos outrora comuns. O culto à celebridade ultrapassa o limite da moral quando o assunto são os notórios criminosos que ganham manchetes e mídia; e se a audiência reclama de suas “romantizações”, uma série como Tremembé chega para fazer barulho.
Afinal, a parcela de pessoas que enche a boca para criticar e espalhar informações errôneas sobre os tais derivados do true crime, é a mesma galera que coloca, mês sim, mês não, os diversos documentários e docudramas sobre criminosos estrangeiros em alta. Duvida? É só bisbilhotar o ranking da Netflix, que varia entre as temporadas da produtora de Ryan Murphy e a recente O Monstro de Florença.

Com Tremembé, o Prime Vídeo aposta numa miscelânea de histórias centradas no infame local. Com base nos livros do escritor Ulisses Campbell, a minissérie elenca seus protagonistas e então preenche o ambiente com figuras menores, mas não menos interessantes ou chocantes. No centro de tudo, a Suzane Von Richthofen de Marina Ruy Barbosa domina os holofotes, numa mímica que não soa falsificada ou paródica.
Por serem figuras tão conhecidas e tão exploradas na TV, as assassinas e criminosas de Tremembé desafiam suas intérpretes, que desviam do clichê e apresentam trabalhos de muita pesquisa e mais dedicação que o comum. Elize Matsunaga (Carol Garcia), Anna Carolina Jatobá (Bianca Comparato) e Sandrão (Letícia Rodrigues) são, entre outras, mulheres com anseios, medos, arrependimento e rancor.

Tudo graças ao trabalho de preparação do elenco, sóbrio na caracterização e livre no que tange às interações entre personagens. A divisão entre as alas de homens e mulheres cria dinâmicas de gênero e de sexualidade, com Cristian Cravinhos (Kelner Macêdo) engatando um romance com o jovem Luka (João Pedro Mariano); já seu irmão, o irrepreensível Daniel (Felipe Simas), envereda uma trama de remorso e ódio pela ex-namorada. E o explosivo Alexandre Nardoni (Lucas Oradovschi) ganha horas de confusão e raiva pelo sistema de justiça.
Tremembé ganha na direção de Vera Egito demasiada cautela e certo sangue frio na reconstrução dos principais crimes. Abrindo com o caso dos Ritchthofen, de longe o mais midiático — além de explorado em três filmes no mesmo streaming, a sequência vai para a morte de Marcos Matsunaga, os assassinatos de Isabella Nardoni e Talisson Vinicius da Silva Castro, e os estupros cometidos pelo médico Roger Abdelmassih (Anselmo Vasconcelos).

Para os que chegam com pedras na mão e disseminam a propaganda negativa, Tremembé não tenta convencer ou se provar. Como obra de ficção, concentra doses de drama e humor nas situações, apresentando os crimes dos personagens quase que de maneira escrachada. As comparações com o Esquadrão Suicida de 2016 não são inverossímeis, e atestam o caráter editorial da série, que tem roteiro escrito na presença de especialistas legais.
Com trilha sonora inusitada, a temporada de estreia da série quebrou recordes de exibição e rompeu a barreira social, ganhando manchetes dos mais diversos tipos: dos crimes cometidos ao tempo de pena e o status da sentença. Tremembé captura o zeitgeist ao recriar lembranças eternizadas na TV, como a entrevista de Suzane e Sandra ao Programa do Gugu, papel de Paulo Vilhena.

Na linha-fina entre o espetáculo e o execrado ritual da população para com seus condenados, há uma porção de pontas e remendos no centro de Tremembé, que opta pela conclusão abrupta e pouco definitiva da vida dos personagens. Na veia de honrar os relatos reais de dentro da cadeia, a produção abre mão do drama e encerra o quinto episódio em tom diminuto. Depois de capturar a “saidinha” com tamanha gana, e direito ao já esperado renascimento evangélico, faltou o ponto final que faria jus ao material apresentado até então.


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