Movimentos ritmados com as mãos, o dorso e a cabeça. Giros e piruetas que terminam em performances no chão, com muito suor, brilho nos olhos e sensação de conquista. É assim a cena do ballroom carioca que as diretoras Juru e Vitã trazem à tona no sinestésico Salão de Baile, documentário que, por onde passa, acumula grandes prêmios e elogios maiores ainda.
Tudo começa com o contexto – e nada de imagens de arquivo, meu bem, aqui é palco de artistas! Reencenando o surgimento da cena, com Crystal LaBeija descontente e então virtuosa e precursora, o documentário mescla um evento especial, realizado para a gravação do filme, com cenas extra-campo, que vão da Nova Iorque do século XX até figuras como Madonna, a quem a grande mídia associa e credibiliza o Vogue.
Juru e Vitã, munidas pelo roteiro escrito em parceria com Peterkino, desatam a explicar e mergulhar na mitologia do ballroom, com letreiros que ofuscam termos usados nas batalhas e uma tipografia que não mostra apenas a efervescência da comunidade LGBTQIAPN+: as cores e formas são extensão da arte presente ali.
Momentos de intimidade, tão presentes quanto os desfiles, e com ajuda de várias Casas, ou Houses, ou Haus, mostram que a equipe de produção visita os Bailes por todos os aspectos e ângulos possíveis. Lar de uma parcela negra e trans da juventude, apagada pela hegemonia branca que toma para si qualquer conquista que torna-se mainstream, uma das protagonistas não hesita em definir: “nossa vida é muito mais que Pose”.
O seriado que trouxe os temas para fora do micro e colocou seus atores e atrizes no holofote é apenas um recorte do que se afirma uma cena multifacetada, multicultural e nada hegemônica. Intrigas, shade e confrontos estão na mesma marcha da celebração e da compaixão, especialmente quando falamos de família – e de família escolhida.
Salão de Baile dedica-se a diversas pessoas, com talentos e habilidades distintas, para narrar um conto de divindade esotérica. Quando os microfones são plugados, ês jurades sentam-se nas luxuosas poltronas e as divas e divos começam a se mexer conforme o ritmo da música, o local deixa de ser um simples refúgio e torna-se templo de adoração.
As corpas presentes ali, desligadas do que acontece no exterior e dos problemas que existiam até o momento da erupção no palco, são livres e poderosas. Desconhecem os limites, as fronteiras e as limitações. Juru e Vitã, habilmente e de maneira precisa, fazem uma atmosfera própria e a compartilham com quem assiste, dividindo a glória, as perturbações e a beleza de ser quem são, ilimitadas.
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