Obra norte-americana mais influente do século XX, O Mágico de Oz rendeu frutos por todos os meios da arte, enriquecendo narrativas que por si só já eram graúdas, e rendendo grandes filmes para a posteridade. Caso de The Wiz, ou O Mágico Inesquecível, que em 78 passou dos palcos às telas, reimaginando a saga de Dorothy sob as lentes da experiência negra nos EUA.
Trocamos a juvenil Judy Garland por uma também jovem Diana Ross, que vive Dorothy aos 24 anos, como uma professora da educação infantil que está um tanto perdida na vida. E nada de Kansas, já que o mundo de Oz ganha o horizonte nova-iorquino, e a estrada de tijolos amarelos tem táxis da mesma cor, acelerando de lá para cá.
É dia de Natal, e uma nevasca toma conta da metrópole. Totó escapa num ato de desatenção dos adultos, e a mulher corre em direção ao frio e ao estimado cãozinho. Chega um tornado, primo do ciclone original, e transporta a dupla para um lugar parecido-mas-nem-tanto.
Do mundo real, ficam presentes as micro agressões racistas. Os veículos não param para os passageiros negros, e é até pela porta de trás que eles precisam entrar para se encontrarem com o Grande e Poderoso Oz (Richard Pryor). Antes disso, porém, Dorothy começa sua odisseia clássica: assassina uma das bruxas malvadas, herda os sapatinhos prateados e conhece os futuros amigos.
O Espantalho é um meigo e dócil Michael Jackson, na estrela do Rei do Pop no Cinema; o Homem de Lata ganha as lágrimas e a tenacidade de Nipsey Russell; e o majestoso e medroso Leão é vivido por Ted Ross, que escorrega do papel no teatro sem dificuldades. Juntos, os quatros párias sociais enfrentam as mais diversas adversidades.
Os sets, recriando pontos marcantes de NY com o toque megalomaníaco de L. Frank Baum e urbano da cultura negra, são formados por itens ordinários em posição de poder e opressão. Latas de lixo ganham dentes mortíferos, os trilhos do metrô perseguem os heróis e até o grafite de um muro estrelado se une para fazer frente e proteger a terra da liberdade
O roteiro do lendário Joel Schumacher adapta a versão teatral que William F. Brown escreveu com base no romance de Baum. Gay e conhecido por usar do extravagante em suas primorosas criações como diretor, Joel não foge do comum e caminha rente ao original, rendendo poderosos números musicais, enriquecidos por elementos característicos da Música negra, que vão das raízes no hip-hop, até o rap e, principalmente, os estrondosos versos gospel.
É um espetáculo de som e coreografia, que Diana Ross domina como ninguém. O vozeirão rasga o espaço-tempo, e nem os talentos inconfundíveis de Jackson, Mabel King, Thelma Carpenter e Lena Horne fazem cócegas na protagonista. The Wiz não apenas revitaliza a imortal trama de O Mágico de Oz, mas demonstra o caráter disruptivo da criação.
Na equação, o trato de temas como racismo, solidão, medo e destreza apenas acrescenta ao escopo. E quem se vê no direito de criticar atores não-brancos em novas versões de clássicos já “estabelecidos”, além de preconceito desmedido, abre mão de entrar em contato com a pluralidade de vozes, histórias e olhares. Cynthia Erivo, co-protagonista de Wicked, recebe o bastão de uma geração sem ressalvas e cheia de gogó e poder.
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