The Bear acalma os ânimos em 3ª temporada de fragmentos 

Na contramão do frenesi passado, nova temporada de The Bear assume tons cômicos e pisa no freio

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Quem esperava a verborragia habitual de The Bear em Tomorrow, estreia da terceira temporada, encontrou silêncio e contemplação. Chef Carmen (Jeremy Allen White) precisa de tempo e espaço para processar o caos que aconteceu na inauguração do restaurante que batiza a comédia. Isolado e perdido em lapsos, de amores a trabalhos antigos, o cozinheiro comunica o tom da vez.

A gritaria volta, inevitavelmente, e em especial na presença do primo Richie (Ebon Moss-Bachrach), tão magoado pelas palavras de Carmy como a doce Claire (Molly Gordon), que passa boa parte dos dez episódios sumida e presente apenas em fragmentos de lembranças do ex-namorado. Não havia maneira de equiparar a desordem do ano 2, tomado em especial pelo jantar emblemático de Fishes e, depois, pela abertura comercial de The Bear.

Os Fak ganham mais protagonismo, com cenas de longas piadas e participação fundamental de Matty Matheson, Ricky Staffieri e a surpresa em forma de John Cena (Foto: FX) 

Agora, o criador Christopher Storer absorve o que de melhor pôde desses processos que envolvem a ansiedade como efeito colateral do luto, e então desenvolve a parcela da depressão e do desânimo dos personagens. Carmy já saiu da geladeira azulada do ano anterior, mas ele ainda sente-se preso no lugar. Não à toa, o pôster da season 3 abandona a já esperada fotografia do elenco e estampa o animal selvagem banhado nas mesmas cores que as luzes do frigorífico.

Não ajuda, também, que a vida de todos os funcionários e agregados do restaurante parece seguir em frente, com evidências físicas e materiais. Para o bem e para o mal. Richie enxerga a solidão do papel de divorciado, e ainda precisa enfrentar o casamento novo da ex-esposa. Sugar (Abby Elliott) está prestes a dar à luz, e tem de encarar uma situação mais perigosa e assustadora do que o parto da filha: uma conversa franca com a mãe. Em Ice Chips, Natalie recorre à Donna (Jamie Lee Curtis) e sente a clausura da presença familiar, só para então entender a nova fase da relação e resolver pendências antigas.

Ayo assume a direção de Napkins, episódio focado na jornada de Tina até o trabalho no restaurante – e contracena com o marido da vida real (Foto: FX)

Sydney (Ayo Edebiri) se emancipa da posição de número dois e assume o controle do estabelecimento, por mais que o mau humor e a ignorância de Carmy obstruam a passagem entre a cozinha e as mesas de jantar. Marcus (Lionel Boyce) experiencia o luto pela morte da mãe, e cria objetivos próprios e muitíssimo definidos em memória dela. Tina (Liza Colón-Zayas) protagoniza o sexto episódio e, mesmo com história pregressa, cresce aos olhos da audiência para além da figura maternal e aconchegante de se ter por perto.

Mas Carmy, bem capturado pela performance multipremiada de Allen White, permanece em estado de alerta, ordenando novos pratos e refazendo os antigos da cozinha que passa a ser quartel general. Ríspido, ele cospe as palavras com desgosto e exaustão, e não se dá ao trabalho de olhar nos olhos de quem cobra. Na repetição dos movimentos, o personagem revela alguns dos fantasmas que guarda dentro de si.

A season premiere é quase toda silenciosa, amparada pela trilha de Trent Reznor e Atticus Ross, que demonstra na carne o momento de quietude e confusão interna (Foto: FX)

A saudade do irmão Michael (Jon Bernthal), a culpa pela morte dele, a ausência do pai, a presença da mãe, o medo do futuro, a frustração de ver o restaurante da Chef Terry (Olivia Colman) fechando e a certeza de que, perfeccionista como é, nada nunca estará bom o bastante. É um trabalho de muito fôlego do jovem ator, que parece monotônico à primeira vista, mas tira os episódios de 2024 para exercitar ares diferentes de um personagem que parecia ter esgotado seus truques.

A balança se desequilibra justamente na involução dos personagens. Carmy enfrenta o desgraçado que causou nele a criação de uma casca de desconfiança e ansiedade, mas acaba transmitindo à Syd os mesmos demônios que o atormentaram por anos. O ciclo vicioso, quebrado pela benevolência e pelo senso de unidade que o jantar-funeral (com chefs reais e o sempre elegante Will Poulter), é deixado de lado pelo Bear, preocupado demais com o passado. Quem sofre somos nós.

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