A ideia de re-maratonar todos os filmes da franquia Star Wars veio em 2023, quando o marketing promocional de Ahsoka, série com Rosario Dawson sobre uma das personagens mais cativantes da galáxia muito, muito distante, mal chamou minha atenção. Seja pela saturação dos títulos, marcados pela expansão em seriados do Disney+, ou pelas feridas abertas causadas pela Ascensão Skywalker, era difícil conciliar o amor que eu ainda nutria por Star Wars com o fato de que a grande maioria dos anúncios já não me interessava mais. Rever todos os nove filmes da saga Skywalker e os dois spin-offs foi uma maneira não tão sutil de exorcizar esse amor do meu coração e tentar clarear a minha mente, talvez até mesmo desmistificando filmes anteriores para que eu possa enxergá-los como o que realmente são: apenas filmes.
A ideia que surgiu em 2023 só foi executada alguns meses atrás, quando eu finalmente dei ouvidos à meus sentimentos e decidi que era hora de tirar férias em Tatooine e revisitar alguns velhos amigos. O que começou como um leve exercício de confronto à nostalgia rapidamente se tornaria uma jornada árdua através de uma parte da minha mente que eu não ousava revisitar desde 2019.
O fazendeiro, a princesa e o cafajeste
Eu comecei, é claro, pela ordem de lançamento dos filmes (a única que faz sentido), e o mais impressionante é ver o quanto a obra de George Lucas sobreviveu ao teste do tempo, ainda tão vivaz, tecnicamente impressionante e expressiva como era no dia que primeiro foi lançada como apenas Guerra nas Estrelas. A sequência nas trincheiras da Estrela da Morte, onde o jovem Luke Skywalker (Mark Hamill) tem de acertar um tiro impossível enquanto é perseguido pelo sinistro Darth Vader (David Prowse, com a lendária voz de James Earl Jones), permanece tensa, um espetáculo visual tão icônico que cimentou o lugar da franquia na história do Cinema logo cedo.
O Han Solo de Harrison Ford e a Princesa Leia de Carrie Fisher também permanecem tão carismáticos quanto eram em 1977, recheando o conflito entre o bem e mal com texturas cômicas e fornecendo à trilogia original um dos arcos românticos mais bem servidos da ficção-científica. Me arrisco até a dizer que todos os momentos em que Han e Luke partilhavam a tela, este ameaçava roubar o filme inteiro, razão pela qual O Império Contra-Ataca tão sagazmente resolve separá-los logo no segundo ato, permitindo que ambos os atores brilhassem em seus respectivos papéis.
O mais interessante de se observar na primeira era de Star Wars é o quanto cada filme se esforça para introduzir não apenas novos personagens, mas novos planetas, novos conceitos, novas lentes pelas quais podemos observar sua galáxia. Enquanto a misteriosa Força era apenas uma energia invisível e telepática no primeiro filme, no segundo ela se torna um elemento ainda mais intrínseco ao universo de Lucas, uma conexão tangível entre todas as formas de vida, podendo ser usada tanto para meditação quanto para violência, dualidade que marcaria o futuro da franquia dali para frente. A cada estreia, conhecíamos mais criaturas bizarras, monstros assustadores, barulhos diferentes que espaçonaves eram capazes de fazer e novas faixas compostas por John Williams que pareciam ter saltado diretamente da história, perfeitas e irretocáveis.
Eu imediatamente falhei no objetivo de desmistificar essas obras que, para mim, são mais família do que qualquer outra coisa. Eu as conheço profundamente, de maneiras que eu não me lembrava até vê-las novamente: sei o nome de veículos e de personagens que não tem uma fala sequer, tenho a maioria dos diálogos gravados no meu subconsciente, apenas esperando pela desculpa para serem lembrados. Foi quase desconcertante perceber que, anos depois da última vez que eu os assisti, eu ainda me sentia uma criança quando os trompetes e trombones começavam a tocar e o título clássico aparecia na tela.
Mas a verdade é que eu não falhei completamente. Apesar de cobrir cada frame com uma boa dose de nostalgia, ficou claro que O Retorno de Jedi era o mais fraco filme da trilogia original, falhando em ritmo e carisma onde os filmes anteriores brilhavam, se redimindo em seu terceiro ato espetacular, no qual Luke Skywalker finalmente quebra a maldição de seu pai (spoilers!) e enfrenta o terrível Imperador (Ian McDiarmid) da maneira que apenas um jedi conseguiria. É um final imperfeito, mas que termina belamente com os heróis reunidos na lua florestal de Endor, celebrando a derrota definitiva do Império.
Mal sabiam eles.
Eu odeio areia
Revisitar a trilogia de prequels é quase um exercício de ironia hoje em dia. É fácil apontar para seus erros, para os diálogos execráveis de Lucas, os efeitos especiais que não envelheceram nada bem ou as atuações canastronas, mas é quase ainda mais fácil incorporá-los à identidade de seus respectivos filmes, partes inseparáveis do todo que são os episódios I, II e III. Para bem ou para mal, esses filmes formam pelo menos um terço de todo o material cinematográfico canônico da franquia, e logo precisam ser discutidos como tal.
Enquanto o filme original começava com uma caçada estelar que introduzia o vulto negro de Darth Vader e os capacetes dos stormtroopers, A Ameaça Fantasma começa com… uma disputa comercial. Ao retornar para esse universo, Lucas resolve complicá-lo de maneira que nenhum fã esperava, integrando as partes da galáxia que nunca havíamos visto antes, e por um bom motivo: ele espera contar uma história sobre a queda da democracia e a ascensão do autoritarismo, sobre como as fundações frágeis de uma república necessitam vigilância constante para que não sejam usurpadas por líderes populistas. Seu erro foi que ele teve que contar essa história em uma franquia conhecida por magos espaciais e espadas lasers.
Apesar de conter sequências impressionantes, como a corrida de pods ou o embate climático em que um jovem Obi-Wan Kenobi (Ewan McGregor, no papel que antes havia sido de Sir Alec Guinness) e seu mestre, Qui-Gon Jinn (Liam Neeson) lutam com um misterioso Sith com um sabre de luz duplo, ao som da eletrizante Duel of the Fates, grande parte do filme se define por cenas quietas, ou plenamente omitidas pelo enredo. Enquanto os formidáveis cavaleiros Jedis se preocupam em salvar uma rainha e ajudar a reconquistar seu planeta sitiado, os acontecimentos mais importantes são quase inconsequentes: a separação de um jovem Anakin Skywalker (Jake Lloyd) de sua mãe e a eleição de um novo Chanceler para o Senado Galáctico.
Os Jedis, guerreiros místicos capazes de feitos extraordinários, de repente são revelados como uma ordem dogmática de policiais espaciais que endoutrinavam crianças e as separavam de seus pais. Mais do que isso, eles são cegos tanto para a corrupção que se infiltra na República e para os crimes inomináveis que ocorrem pela galáxia, permitindo que a mãe de Anakin continue a viver como uma escrava em Tatooine e que o futuro Imperador ganhe poder debaixo de seus narizes. A recontextualização dos Jedis acontece em segundo plano durante toda a trilogia prequel, mas é um lembrete constante de que onde o coração dessa narrativa: a história do menino que um dia seria Vader.
Embora se beneficiem desse revisionismo que Lucas aplica à sua própria criação, é frequente vermos a mente do cineasta se embolando em suas próprias ideias e prejudicando o fluxo de sua ficção: destes, o exemplo mais escandaloso é em Ataque dos Clones, quando o romance entre Anakin (mais velho, interpretado por Hayden Christensen) e Padmé (Natalie Portman) não consegue suportar o peso de metade do filme, por mais que seja sustentado pela trilha riquíssima de John Williams. De novo, as nuances políticas adicionadas à nossa visão de Star Wars são fascinantes, mas sua integração faz com que os personagens percam destaque e os atores não tenham material o suficiente com o que trabalhar. É frustrante ver tantas ideias interessantes não sendo tão bem aproveitadas quanto deveriam.
Enquanto o episódio I sofria pelo conflito de tons e o II se afogava no melodrama, é no episódio III que George Lucas recuperava a raison d’être dos filmes, oferecendo uma entrada que combina os melhores elementos de sua visão, apesar de ainda ser segurado pela falta de ritmo que acompanha boa parte desses três filmes. A Vingança dos Sith mostra o fim do arco de corrupção de Anakin, nos levando desde a queda da República até a criação do Império, o nascimento de Luke e Leia e o expurgo dos Jedi. É Star Wars em sua forma mais grandiosa e exuberante, se deliciando em grandes batalhas estelares, humor bobo e uma tragédia iminente. Falta requinte na execução, mas é o capítulo da saga que mais se beneficia de uma segunda chance.
Se rever a primeira trilogia foi aprender a encarar esses filmes como uma família, ver os prequels é como ver crianças pequenas correndo pelo chão da sala com sujeira nos pés. São por vezes irritantes e te dão nos nervos, mas há uma honestidade intrínseca que faz com que seja difícil não amá-los. Tudo que eles tentam fazer, eles tentam com sinceridade e engenhosidade, por vezes te pegando de surpresa com a sabedoria escondida em sua bobice.
Deixe o passado morrer… mate-o, se for preciso
Foi talvez com essa visão que eu comecei a rever a nova safra de produções, agora bancadas pela Disney, que procuravam não só o retorno de fãs antigos, mas também que uma nova geração fosse encantada pelas histórias da galáxia muito, muito distante. Mais fácil falar do que fazer, já que J.J. Abrams abre essa aposta com a mão segura que é O Despertar da Força, uma releitura um tanto quanto óbvia do filme original, trazendo de volta os personagens, as naves, os veículos e o status quo que conhecíamos. Em vez da Rebelião, temos a Resistência e ao invés do Império, a Primeira Ordem. Os elementos mais interessantes dessa releitura são seus personagens, a começar com Finn (John Boyega), o primeiro sinal de que stormtroopers são pessoas de carne e osso, possuidoras de consciência moral de suas ações fascistas. O personagem consegue muito bem carregar o papel de recém-chegado à franquia, sendo nosso avatar para nos refamiliarizarmos com a galáxia.
Rey (Daisy Ridley), a protagonista secreta da trama, é uma sucateira do planeta Jakku e foco infeliz da mystery box de Abrams, se aliando à Finn para achar seu próprio papel na história. Há bastante charme na interpretação de Ridley e Boyega e na história das personagens em uma franquia que até então havia limitado o papel de mulheres e pessoas negras. Em seus melhores momentos, é uma história empoderadora sobre pessoas oprimidas tomando a rédea de seu próprio destino e reunindo a coragem necessária para lutar por mudanças. Em seus piores momentos, no entanto, é possível ver que Abrams e companhia tem um medo crônico de mudar coisas demais e tornar a aventura irreconhecível. O constante lembrete, em forma de referências momentâneas e piadinhas internas é bem artificial e só funciona realmente quando antigos personagens recebem papéis ativos na trama, o que é raro.
O ponto alto dos novos filmes é a relação entre Rey e seu nêmesis da Primeira Ordem, Kylo Ren (Adam Driver), o filho perdido de Han e Leia e herdeiro aparente de Darth Vader. Ridley e Driver efetivamente florescem sob a direção de Rian Johnson, que finalmente devolve tesão ao storytelling da franquia e produz um de seus melhores episódios em Os Últimos Jedi. Quer você encare a química entre os dois atores como romântica ou não (definitivamente é), é inegável como sempre que os dois se encontram o chão parece partir sobre seus pés (literalmente). Nesse novo episódio Rey finalmente encontra seu caminho como protagonista da trilogia e Finn e Poe (Oscar Isaac) seguem direções até então inexploradas no legado da saga. Não me venha com essa de que o cassino em Canto Bight é uma perda de tempo, nunca é um mau momento para ver gente rica sendo esculachada.
Em resposta a tamanho show de personalidade, a Casa do Rato chamou de volta J.J. Abrams para por ordem de volta na franquia, culminando no capítulo mais covarde lançado até então. Uma amálgama de ideias envolta em iconografia barata, A Ascensão Skywalker não só dissolve a narrativa do episódio VIII como também borra o futuro da franquia ao dar a conclusão mais conturbada possível, debilitando o papel de Rey como heroína e desfazendo o potencial da maioria dos personagens. Em retrospecto, foi ao sair do cinema depois de ver o episódio IX que todos os meus problemas com Star Wars começaram. Antes mesmo do final abismal da segunda temporada de O Mandaloriano ou da inutilidade de O Livro de Boba Fett, foi aqui que a semente da decepção foi plantada e acabou criando raízes.
Entre Rogue One e Han Solo, a Lucasfilm havia pelo menos um spin-off cinematográfico de sucesso, pavimentando o caminho para uma possível diversificação da marca que infelizmente nunca se concretizou. A partir do primeiro tivemos a maravilhosa Andor no Disney+, uma produção que se coloca em contraponto estético e narrativo a praticamente todas as outras produções do streaming, mas que deixa ainda mais evidente a falta de planejamento que aflige a série desde sua ressurreição em 2015.
“Difícil de ver; sempre em movimento o futuro está.”
Essa é uma frase que o Mestre Yoda (Frank Oz) diz para Luke no episódio V, e é importante para mim deixar claro que eu não planejei esses subtítulos antes de começar a escrever. Eu meramente pensei em alguma frase de Star Wars que pudesse ser usada para descrever o futuro da franquia e meu cérebro forneceu uma pequena memória. Não é uma frase especialmente chamativa ou que mereça uma memória para si mas, como a maioria das coisas de saga, tem um lugar reservado na minha cabeça, querendo ou não.
É um pouco difícil descrever a tristeza que se abateu sobre mim em dezembro de 2019, quando eu e alguns amigos saímos do cinema cabisbaixos em um silêncio contemplativo. Conforme foi passando o tempo, eu cheguei a considerar engraçado como o suposto final da saga Skywalker, um filme praticamente feito para tentar agradar todo mundo, acabou tropeçando no que eu apenas posso descrever como o pior final possível para uma história tão célebre. Seria genuinamente impressionante se não fosse tão trágico.
A partir daí, foi cada vez mais difícil olhar para a franquia com o ânimo que eu costumava ter. Minha fé na história foi quebrada, e a cada novo anúncio ficava claro que o objetivo da Lucasfilm era reverter o curso e começar a contar histórias voltadas para o passado, já que o futuro está incondicionalmente ligado ao episódio IX, refletindo a si mesma a covardia de Abrams. Desde então diversos filmes foram anunciados, comandados por figuras como Taika Waititi, Patty Jenkins e James Mangold (que antes comandaria uma última e medíocre aventura de Indiana Jones), mas até hoje é difícil crer que esses projetos, assim como a suposta trilogia de Rian Johnson, ainda irão acontecer. Desses projetos, o mais interessante é sem dúvidas a promessa de um novo filme focado no futuro de Rey e da reconstrução da Ordem Jedi, comandado por Sharmeen Obaid-Chinoy (Ms. Marvel).
Eu comecei esse exercício com o objetivo de atingir algum tipo de clareza, para saber se deveria abandonar a série por completo ou se valia a pena continuar a ter esperança, mas acabei atingindo uma verdade bem diferente. Se esses filmes são como uma família para mim, é impossível dizer adeus, impossível negar o impacto que eles causaram em mim, por mais que às vezes eu queira. A verdade é que as memórias boas continuam ótimas e as ruins continuam horríveis.
Mas, em meio a tudo isso, em setembro de 2022, uma luz surgiu. Andor, criada por Tony Gilroy, foi uma revelação não só por se diferenciar de todos os conteúdos da série produzidos até então, mas por focar em personagens originais e dar novos contornos à personagens antigos, enriquecendo a narrativa por todos os ângulos ao tratar a história de maneira sincera e tocante. O choque de qualidade foi tão grande que, de fato, sem ela eu não teria me aventurado nessa jornada para redescobrir o que Star Wars significa para mim, e o que ainda pode significar.
Eu não posso simplesmente escolher dar adeus a todas as minhas memórias boas ou ao ressentimento que essa franquia me causou, mas eu acho que posso escolher me desprender daquilo que me causou dor e apreciar aquilo que me causou alegria sem medo do que o futuro vai trazer. Talvez eu veja os novos filmes e séries que serão lançados, ou talvez elas não me interessem o suficiente de qualquer maneira. The Acolyte, a mais nova produção do estúdio, se passa uma centena de anos antes de Anakin Skywalker aprender sobre a Força, então eu tenho pelo menos alguma esperança que ninguém de sua família apareça. Pode ser que assim como Andor ela me surpreenda, ou pode ser que não, mas eu não vou me privar de experiências e memórias boas ao me negar o prazer de retornar a uma galáxia muito, muito distante.
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