Depois da recepção decepcionante de Resident Evil 6 e o sucesso moderado de Resident Evil: Revelations no Nintendo 3DS, a volta da franquia da Capcom para o cenário do horror puro parecia mais do que certa. Após começar seu desenvolvimento em 2014, o novo capítulo foi finalmente revelado na E3 de 2016 através de um teaser misterioso que aparentava ser uma sequência de KITCHEN, uma demonstração das capacidades do então chamado Project Morpheus, antecessor do PlayStation VR. Ao final do teaser, o numeral romano VII apareceu na tela e, após um momento de confusão, a audiência entrava em erupção quando as letras completavam o título: Resident Evil 7: biohazard.
Uma das primeiras curiosidades que você aprende sobre Resident Evil é que esse não é o nome original da série no Japão. Conhecida como Biohazard na terra do Sol nascente, o título foi mudado para o ocidente quando um dos executivos percebeu que seria impossível obter direitos autorais nesse nome, que já pertencia à outro jogo e uma banda de punk rock nova iorquina. O novo título, fruto de uma competição interna, servia como referência à localização do jogo, uma grande mansão tomada por zumbis. Mais para frente, a série foi cada vez mais se afastando desse tipo de cenário contido, explorando crises globais causadas por armas biológicas e os monstros criados por elas.
No entanto, com o sétimo jogo, a Capcom tomou a interessante decisão de adicionar o subtítulo alternativo à ambas as versões, com o nome completo no Japão sendo Biohazard 7: resident evil. Inicialmente isso faz referência ao fato de que o jogo volta a ser em um local contido, com inimigos resistentes e chefões que te perseguem pelos cômodos, mas hoje, quase 10 anos depois de sua estreia, Resident Evil 7 é algo mais: uma oportunidade única que a série teve de voltar aos eixos após seu momento mais vulnerável, apostando em novas perspectivas ao mesmo tempo em que recuperava a fagulha inicial que mudou o gênero de terror para sempre. Mais do que um trocadilho esperto, o título completo do game representa um ponto de virada para a série, unindo passado e futuro no que pode muito bem ser seu capítulo mais aterrorizante até hoje.

Com exceção talvez de sua câmera em primeira pessoa, o elemento mais chamativo de Resident Evil 7 seja, à um primeiro olhar, suas referências ao Cinema de Terror. De O Massacre da Serra Elétrica (1974) e Os Inocentes (1961) até A Bruxa de Blair (1999) e Jogos Mortais (2004), é um videogame vividamente ciente e aberto com suas inspirações. Quase que imediatamente assumimos o lugar de Ethan Winters (Todd Soley), um homem normal à procura de sua esposa, Mia (Katie O’Hagan), desaparecida há 3 anos, chamado para uma casa remota na Louisiana por um email vago. Após alguns minutos à luz do Sol, adentramos à casa de hóspedes e à um tipo de sujeira saída diretamente de um filme B cuja maior parte do orçamento foi para o set design. A atmosfera de RE7 é plenamente insípida desde o primeiro passo, forçando os jogadores à ficarem cara à cara com cenas pra lá de horripilantes e se deliciando com os calafrios que produz.
A trama, bem distante da crise cataclísmica do jogo anterior, se passa quase inteiramente dentro da residência da família Baker, uma casa grande e cheia de segredos a serem descobertos e quebra-cabeças precisando ser resolvidos. O jogo resgata uma série de elementos que aos poucos foram desaparecendo da identidade da série, voltando à colocar o horror em primeiro plano e posicionando seu protagonista como uma tábula rasa na qual o jogador se projeta. Passeando nem tão tranquilamente pelos corredores escuros, cabe ao jogador encontrar as armas usadas para dar cabo de nossos macabros anfitriões.
Compensando a falta de personalidade de Ethan, os antagonistas de Resident Evil 7 são alguns dos mais marcantes da série, elevados pela fidelidade virtual das interpretações de primeira categoria. Os Bakers poderiam ser qualquer família do sul americano, exceto pelo canibalismo e as mutações genéticas. Jack (Jack Brand), o patriarca, é um homem de meia idade saído diretamente de um filme dos anos 80, e que vez ou outra te persegue com uma serra elétrica enquanto dá umas boas gargalhadas. Marguerite (Sara Coates), sua esposa, é uma doce senhorinha que ama alimentar bem seus convidados, quer eles queiram ou não. Lucas (Jesse Pimentel), o filho problema, fica preso em seu quarto o dia inteiro bolando novas brincadeiras e invenções para entreter os hóspedes. Sua irmã, no entanto, não vê a hora de dar no pé: Zoe (Giselle Gilbert) é a única entre os quatro à repudiar o que acontece, ajudando Ethan à encontrar uma cura para suas aflições.

Em comparação à eles, é até triste quando o jogo apresenta inimigos menores, os “mofados”, pessoas raptadas pelos Bakers e transformadas em monstros sem rosto. Ameaçadores apenas em grupos, são usados para preencher às áreas entre os membros da família e impedir que você fique sempre com munição sobrando para enfrentá-los. Novamente, o manejamento de recursos entra em foco, sendo possível criar munições e curativos à partir de pólvora, ervas e fluídos químicos espalhados pelo cenário e deixados por inimigos caídos. Após o bacanal de explosões de Resident Evil 6, voltar à um foco mais íntimo tanto para a narrativa quanto para as mecânicas é um bálsamo para a série. Mesmo curto, o pacote de RE7 deixa uma grande impressão, incentivando múltiplos playthroughs para o domínio de sua experiência.
A recém criada RE Engine (cuja sigla, por incrível que pareça, não significa Resident Evil) faz uma estreia promissora com a atmosfera inigualável de Resident Evil 7: biohazard, um prato cheio de detalhes grotescos em cada canto. As possíveis falhas de um motor gráfico tão jovem são ocultadas pela iluminação precária do título que, tal como o Resident Evil original, se passa ao longo de uma única noite. Se o output da Capcom nos últimos anos nos diz algo é que o investimento numa engine proprietária foi o passo certo da publisher, agilizando o ciclo de desenvolvimento de suas obras.
É até irônico que RE7 puxe tanto do Cinema quando ele é contado inteiro numa perspectiva historicamente difícil de transpor para a sétima arte. No Terror, a câmera em primeira pessoa é geralmente utilizada para significar a visão dos assassinos, tanto para ocultar sua identidade da audiência quanto para estranhar o espectador. Aqui, essa perspectiva serve o propósito duplo de nos conectar ao protagonista ao mesmo tempo que o conecta com as gravações espalhadas pela residência. Ethan acompanha filmagens de Mia e Clancy, um cinegrafista de um programa de caçadores de assombrações raptado antes dele, usando-as para se guiar dentro da casa e evitar os jogos sádicos elaborados por Lucas (alguns dos quais inclusive deixariam até o Jigsaw com inveja).

Não apenas no combate lento e metódico à série volta às suas origens: quebra-cabeças, emblemas e backtracking compõem o cerne da experiência de Resident Evil 7, que equilibra muito bem o camp característico da franquia com o tom realista e sombrio de sua apresentação em primeira pessoa. O atrito entre essas duas abordagens se torna substância para a sobrevivência da narrativa, que sem ele permaneceria estagnada em gerações passadas. Como o primeiro Resident Evil lançado para PlayStation 4 e Xbox One (Revelations 2 havia sido lançado para a geração anterior em 2015), ele expandiu tanto os horizontes quanto as audiências da série, se tornando o segundo título mais bem vendido da franquia.
Após o lançamento, dois pacotes de DLCs foram vendidos, reunidos posteriormente na edição Gold do jogo. Além de adicionar mais modos de jogo, eles ofereceram capítulos de narrativa focados nas maiores qualidades do jogo base: seus elementos de terror e os membros macabros da família Baker. Apresentadas na forma de gravações adicionais encontradas após os eventos da narrativa principal, elas detalham os tormentos de Clancy, o cameraman quieto e azarado. Not a Hero, um epílogo disponibilizado gratuitamente por download, é protagonizado por um favorito dos fãs, resgatando um pouco do foco em ação dos jogos anteriores. Por fim, End of Zoe introduz um novo membro da família Baker e entrega um tipo de gameplay completamente diferente do resto da série, te fazendo apreciar o fato de que Devil May Cry um dia foi um protótipo de Resident Evil 4.

Resident Evil 7: biohazard pode ser encarado como uma aposta audaciosa do produtor Jun Takeuchi para o futuro da franquia, abandonando o lucro que lançamentos anteriores obtiveram ao focar em aspectos mais comerciais e trocando-os por uma versão de sua identidade que muitos considerariam antiquada. Mas, entre todos os riscos que ele toma, a visão de Takeuchi e do resto dos desenvolvedores de trazer a série de volta para o survival horror é quase como uma volta para casa, uma oportunidade de ver como o gênero mudou desde 1996 e como ele ainda pode mudar no futuro. Todo passo que 7 dá para trás é para se preparar para o salto seguinte, estabelecendo uma fundação tão forte que virtualmente salvou o nome da franquia ao mesmo tempo em que entregava uma das experiências mais assustadoras da última geração de consoles.
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