Dos tempos em que o Blade de Wesley Snipes trucidava vampiros, passando pelos pródigos mutantes do Instituto Xavier enfrentando uma população intolerante e chegando ao astronômico sucesso de Tony Stark como bilionário e inventor, a questão parental nunca cruzou o horizonte dos super-heróis. E, embora figuras-chave como o Homem de Ferro, o Homem-Formiga, o Hulk, o Gavião Arqueiro e a Feiticeira Escarlate tivessem sua prole em tela, a questão de herança, legado ou medo do desconhecido nunca pautou as narrativas criadas pelo estúdio.
Quarteto Fantástico: Primeiros Passos muda isso ao colocar o bebê dos Richards no centro da trama – e do futuro do planeta. Fora da linha principal do Universo Marvel, o retorno da Primeira Família aos cinemas acontece numa roupagem retrô-futurista, onde os astronautas atingidos pela radiação cósmica não apenas são os únicos heróis do pedaço, mas também verdadeiras celebridades na NY cromática e perfeitamente desenhada com influências dos Jetsons e de Oscar Niemeyer.

Os heróis estampam caixas de cereal, máscaras do Dia das Bruxas e são figurinhas carimbadas nas Nações Unidas. Sue (Vanessa Kirby) assume o posto de líder emocional da equipe, e quando a gravidez que abre o filme é anunciada, o frenesi público cresce sem precedentes. Para o longa, o diretor Matt Shakman (de WandaVision) conjura elementos da Beatlemania para tratar dos personagens.
Reed (Pedro Pascal) pode até ser o homem mais inteligente do mundo, mas a ideia de um novo humano, gerado a partir do DNA adulterado dele e de Sue, coloca o Senhor Fantástico num espiral de medo e apreensão. A última coisa que eles precisam é de mais problemas, e não há nada mais delicado e potencialmente destrutivo que um recém-nascido do lar heróico.

No Edifício Baxter, onde os quatro vivem, a casa é cuidada com todo o zelo e a proatividade do robô H.E.R.B.I.E., que cozinha, limpa e até faz bico de babá. O ambiente é acolhedor e espaçoso, refletindo a personalidade de seus habitantes: Coisa (Ebon Moss-Bachrach) tem o companheirismo de sempre e Johnny (Joseph Quinn) traz a chama de provocação acoplada à juventude e rebeldia.
Juntos, os quatro fantásticos são imbatíveis – até que surge a Surfista Prateada (Julia Garner), arauto de Galactus (Ralph Ineson), prenunciando o fim dos tempos e a inevitável destruição do planeta Terra.

A proposta é terrível: o Devorador poupará o mundo se o bebê, ainda na barriga de Sue, for entregue como barganha. Galactus sente o poder dormente de Franklin e sabe que o pequeno é o único capaz de absorver a fome que obriga o vilão a se alimentar de planetas, sempre faminto e nunca satisfeito.
Sue recusa. E o plano agora é visitar o covil do vilão antes que ele chegue à cidade. No espaço sideral, Primeiros Passos equipara a corrida pela sobrevivência com o parto da protagonista, que precisa ajudar a equipe ao mesmo tempo em que enfrenta as contrações.

Shakman, que emulou com maestria a estética histórica de WandaVision, repete o esmero técnico no filme do Quarteto, mas demonstra as mesmas fraquezas dramáticas da série de TV. Quando é hora de encerrar ciclos e dar cabo da história, o filme descamba numa sucessão de decisões seguras demais e demasiadas entediantes.
O apuro estético está todo no visual, com uma direção que oscila entre o básico e o insatisfatório. Para cada falha do gênero, os personagens compensam pela alegria e sinergia em tela. Depois de um filme cancelado, uma duologia imperfeita mas marcante, e uma tentativa de reboot que acabou com a credibilidade de todos os envolvidos, a chegada dos heróis à Marvel é resguardada e eficaz.

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