Entre jogos adiados e encerrados pelos motivos mais inusitados possíveis, terminamos 2024 em um clima de preocupação e incerteza no mundo dos games. A atual geração de consoles se aproxima da metade de sua vida útil, enquanto uma crise generalizada na indústria escancara a necessidade de um modelo de produção mais sustentável para as grandes empresas, que mesmo o consumidor mais casual não consegue ignorar.
Ao mesmo tempo, videogames nunca foram tão pop quanto hoje. Franquias clássicas e modernas receberam ainda mais adaptações para a TV e o Cinema. Desenvolvedoras independentes e de grande porte continuam se aperfeiçoando e entregando obras formidáveis – provando que, apesar das circunstâncias delicadas, a Arte sempre prevalece. Neste texto, elencamos nossos jogos favoritos de 2024, além de relembrar os momentos mais marcantes do ano e o que 2025 pode nos reservar.
O jogo mais importante de 2024 não pode mais ser jogado
Seria muito bom poder fazer uma retrospectiva do mundo dos videogames em 2024 e poder focar apenas nos títulos lançados, os maiores sucessos e os inevitáveis fracassos. Porém, é impossível se despedir do ano sem comentar sobre o estado atual da indústria, encapsulado por seu lançamento mais marcante: Concord.
Isso mesmo, o hero shooter da Sony lançado para PlayStation 5 e PCs é inegavelmente o título mais significativo do ano. Com um custo de produção inflado na casa das centenas de milhões, o jogo da Firewalk Studios sobreviveu por exatas duas semanas antes de ser desligado sem cerimônia, seguido de perto pelo próprio estúdio pouco mais de um mês depois. Categorizar Concord apenas como uma falha comercial seria um eufemismo terrível: a situação toda representa os piores aspectos de uma indústria que rapidamente ficou viciada em um modelo de crescimento simplesmente insustentável, ferindo o talento responsável pelos jogos que tanto amamos no processo. Seria simples falar apenas que o gênero do hero shooter, popularizado inicialmente por títulos como Overwatch, havia se saturado ao longo dos anos, e que não há mais público que justifique um investimento nele. O lançamento explosivo de Marvel Rivals ao final do ano aponta as falhas dessa hipótese, apostando em um esquema free-to-play e conteúdos adicionais que o tornaram um sucesso instantâneo, eclipsando a própria sequência de Overwatch.
O investimento pesado em uma nova IP poderia até ser motivo de celebração, mas os resultados imediatos tiraram qualquer apoio que o projeto pudesse ter tido, no que parece ser o novo modus operandi da multinacional japonesa, independente do sucesso crítico de seus jogos. Em junho do ano, a Bungie celebrou o sucesso de Destiny 2: A Forma Final, capítulo final da saga de luz e trevas iniciada em 2014 e que fechou magistralmente a trama principal da série. Porém, alguns meses depois, uma onda de demissão em massa atingiu a desenvolvedora, que culpou as metas inalcançáveis que havia prometido atingir ao ser adquirida pela Sony, e que levariam à uma contagem de jogadores em queda livre, com o jogo lutando para sobreviver a tempo de introduzir uma nova storyline para assegurar o seu futuro.
O que isso tudo significa? Bem, para começar, nenhum jogo está a salvo: entre sucessos e fracassos de críticas e de público, é difícil prever qual jogo ou estúdio vai sobreviver para ver o próximo ano. A Microsoft, que desde 2021 vem investindo em aquisições bilionárias, foi responsável por desligar tanto a Arkane Austin, responsável pelo fracasso de Redfall quanto a Tango Gameworks, responsável pelo sucesso inesperado do adorável Hi-Fi Rush. Vem se criando um clima cada vez maior de desconfiança entre o público e as promessas feitas pelas publishers, desesperadas em emplacar hits instantâneos e alistando praticamente à força estúdios para sua causa. O jogo Esquadrão Suicida: Mate a Liga da Justiça, lançado no início do ano passado nos moldes de um live service, chegou a sair por menos de 15 reais nas promoções de férias da Steam, e recentemente ficou gratuito para os assinantes do serviço PlayStation Plus. Será que o tempo da Rocksteady, celebrados criadores dos jogos Arkham, poderia ter sido mais bem utilizado em outras empreitadas?
Mas sem esses jogos, o que nos resta para jogar? Bem, até mesmo no cenário indie a indústria ainda sente dificuldades em se energizar e, apesar de uma gema ou outra como Balatro ou Mouthwashing, as demissões ainda vêm afetando vários dos estúdios independentes. Com os grandes blockbusters tendo seu custo de produção elevado e passando por longos períodos de desenvolvimento, é fácil ver como uma das piadas mais recorrentes da internet se refere à falta de games do último console da Sony. Dos seis indicados ao prêmio de Jogo do Ano na edição mais recente do The Game Awards, três estavam disponíveis no PlayStation 4, um console lançado faz mais de uma década. Agora, praticamente na metade do ciclo de vida da geração, são poucas as inovações técnicas que parecem ter justificado a sua inauguração.
2024 foi apenas o último de uma série de avisos que o gerenciamento da indústria esteve contente em ignorar durante os anos de crescimento causados pela pandemia do COVID-19. Esse modelo insustentável de investimentos está ferindo tanto desenvolvedores quanto os gamers, mas os executivos responsáveis pelas decisões que nos levaram até aqui continuam confortavelmente em posições de poder. A aquisição da Activision terminou com o infame Bobby Kotick, ex-CEO da empresa e responsável por supervisionar os anos de terror para suas funcionárias, recebendo 200 milhões de dólares pelos resultados alcançados.
Seria muito bom poder começar uma retrospectiva de fim de ano sem ter que escrever algo assim, mas se a indústria de videogames continuar no curso em que está, é incerto quantos anos mais teremos para nos lembrar. – Gabriel Arruda
Os jogos que nós amamos
Jogar videogame no Brasil nunca foi um hobby barato, então estamos aqui para comentar alguns dos jogos que nós felizmente fomos capazes de completar em 2024 e que sentimos que vale a pena relembrar.
As aquisições desmedidas da Microsoft finalmente deram fruto em maneiras inusitadas. Após o desempenho decepcionante de Redfall e Starfield, aguardado título da Bethesda e primeira IP nova do estúdio em anos, o caminho de redenção da marca parece ter chegado junto com jogos como Senua’s Saga: Hellblade II e Indiana Jones e o Grande Círculo, títulos single player extremamente polidos e bem recebidos. Senua’s Saga, sequência do cult hit de 2017, continua a narrativa psicótica da protagonista celta, dessa vez partindo em uma jornada através do oceano para uma terra de perigos inimagináveis e crueldades devastadoras. A premiada performance de Melina Juergens como a personagem titular mais uma vez está na vanguarda de captura de movimentos, ancorada pelos gráficos fotorealistas e o combate imersivo. Indiana Jones, por outro lado, é uma aventura inédita do arqueólogo mais famoso do Cinema, contada através da perspectiva em primeira pessoa mesclada com cutscenes lindíssimas e pancadaria bem dada. Nunca foi tão gostoso dar um soco na cara de um nazista. – GA
Videogame ou animação?
No cenário dos jogos independentes, a curadoria certeira da Devolver Digital continua dando seus frutos. Um dos principais lançamentos da publisher este ano foi The Plucky Squire – ou O Escudeiro Valente, como foi traduzido para o Brasil –, que acompanha as aventuras de Pontinho, um herói de um livro infantil que acaba caindo no nosso mundo. A jogabilidade única, que mistura elementos plataforma em 2D e 3D, além de uma ambientação vibrante como a de um desenho animado, fizeram desta uma das experiências mais criativas em videogame em 2024.
Além disso, o renomado Cult of The Lamb, que transformou o sistema de jogos de fazendinha em um culto macabro com bichos fofinhos, finalmente inaugurou o aguardado modo co-op local com a DLC gratuita Unholy Alliance. Agora, o segundo player assume uma cabra, invocada pela carismática ovelha para acompanhá-la nas aventuras. O jogo, que já tinha uma gameplay envolvente, alcançou seu verdadeiro potencial. – Enrico Souto
“Todas as histórias precisam de um fim”
Provavelmente o jogo nacional mais aguardado de 2024, Enigma do Medo enfim chegou ao mundo depois de quatro longos anos de produção. Uma parceria entre a Dumativa, desenvolvedora de A Lenda do Herói, e o criador de conteúdo Cellbit, o game bateu recordes com seu financiamento coletivo em 2020 e se passa no mesmo universo das mesas de RPG de Ordem Paranormal, que iniciaram naquele mesmo ano.
Com um elenco estrelado de dubladores e uma atmosfera densa, que mistura o pixel art com ambientes 3D, o jogo revela um potencial imenso que a Dumativa guardava. Ainda que os puzzles complexos possam afastar o jogador médio, Enigma do Medo nos prende através de sua estética singular, uma narrativa imersiva e um escopo que se expande gradativamente do ponderado ao apoteótico. – ES
Jogos que gostaríamos de ter jogado
Como um convertido recente para a religião dos JRPGs, um dos títulos que mais me chamou a atenção foi Metaphor: ReFantazio. Desenvolvido por uma elite de veteranos dos jogos Persona da Atlus, o jogo alcançou ainda mais aclamação do que o remake de Persona 3 lançado mais cedo no ano, conseguindo indicação em seis categorias do The Game Awards, vencendo Melhor Narrativa, Direção de Arte e RPG.
Por outro lado, a tão aguardada sequência de Dragon Age: Inquisition foi largamente ignorada nessa temporada de premiações, apesar de chegar a tempo do aniversário de 10 anos de sua antecessora. Dragon Age: The Veilguard recebeu críticas extremamente positivas e foi vista como um retorno à forma para a lendária desenvolvedora BioWare, presa há tempos em um ciclo de lançamentos pobres. As expectativas para o próximo título da série Mass Effect ficaram consideravelmente mais altas. – GA
Adaptações e mais adaptações
Depois que The Last of Us quebrou a barreira de entrada para adaptações em live-action de videogames para o audiovisual, a indústria parece obcecada em achar mais propriedades para traduzir a um novo meio. Em 2024, tivemos a surpresa boa de Fallout no Prime Video, uma série que realiza não apenas a estética do mundo pós-apocalíptico da Bethesda como também seus temas e ideias principais numa comédia satírica sobre a tragédia do fim do mundo. Além dela, o Prime também apostou em Nível Secreto, uma antologia animada de diversos títulos que buscaram adaptar e até reinventar seus materiais originais.
O universo cinematográfico de Sonic, o ouriço, também retornou em dose dupla, com a série Knuckles e o aguardado Sonic 3: O Filme, contando com a estreia de Keanu Reeves como a voz do personagem Shadow. A franquia do ouriço super sônico não dá sinais de desacelerar, com mais filmes e séries em produção. Por outro lado, nem todos tiveram a mesma sorte: Halo, também da Paramount, chegou ao fim após duas temporadas mal recebidas, falhando em capturar a atenção dos fãs da famosa série de tiro em primeira pessoa da Microsoft. O filme baseado no universo louco de Borderlands também foi outro fracasso, uma bagunça completa (não no bom sentido) que parece ter sido feita às pressas por pessoas que não entenderam direito qual é o apelo da franquia da Gearbox e um elenco extremamente incerto com o que fazer com suas personagens.
A animação Tomb Raider: A Lenda de Lara Croft foi uma ótima surpresa da Netflix, que confiou ao estúdio Powerhouse (o mesmo por trás da revitalização de Castlevania) a tarefa de levar à famosa aventureira em sua próxima expedição, ainda baseada no reboot iniciado pela Crystal Dynamics em 2013. Ainda na Netflix, o retorno de Arcane pareceu dividir opiniões, com o final marcado da série custando para fechar suas pontas antes de seu clímax precoce. Seja por planejamento ou por pressão da Riot Games, o fim da animação fantástica do estúdio Fortiche abre as portas para uma nova leva de adaptações baseadas em League of Legends. – GA
O que esperar de 2025
Ninguém segura a empolgação quando o assunto é Grand Theft Auto VI. Anunciado há pouco mais de um ano, o jogo está previsto para ser lançado no final de 2025 – 12 anos depois do antecessor, que teve sua fonte sugada até a última gota através de seu revolucionário modo online. A expectativa é que o título vire a indústria dos games do avesso, assim como a Rockstar já fez tanto em 2013, com GTA V, quanto em 2018, com Red Dead Redemption 2.
Entretanto, a data de lançamento se aproxima e os detalhes do jogo seguem nebulosos. E levando em consideração o histórico da empresa, muitos fãs especulam que ainda vamos demorar para ter o próximo capítulo da franquia em mãos.
Este intervalo inacreditavelmente longo não deixa de ser mais um sintoma de um modelo de produção cada vez mais insustentável. Ao mesmo tempo, um jogo de médio orçamento como Astro Bot, direcionado para o público infantil, se torna um dos mais vendidos de 2024 e conquista o prêmio de Jogo do Ano no The Game Awards. Desta forma, o modesto título exclusivo da PlayStation demonstra uma demanda latente na indústria por jogos AA: experiências menores, mais acessíveis e mais polidas. – ES
Séries consagradas voltarão a dar a caras
Outras franquias já estabelecidas retornam em grande estilo para 2025. Doom: The Dark Ages será o terceiro título após o reboot moderno da clássica franquia de jogos de tiro, completando uma elogiada trilogia que iniciou-se em 2016. Borderlands 4 dará seguimento a linha principal da carismática série, que recebeu a dita adaptação para o cinema em 2024.
Para complementar o escasso acervo de exclusivos do PS5, Ghost of Yōtei será o sucessor espiritual de Ghost of Tsushima, que encerrou a geração anterior com chave de ouro. Desta vez, o jogo acompanhará uma protagonista feminina – uma rōnin que embarca em uma jornada de vingança. A desenvolvedora Sucker Punch promete uma narrativa mais imersiva, que incluirá decisões do jogador que podem afetar a história.
No mesmo Japão feudal, Assassin’s Creed Shadows, um dos jogos mais aguardados de 2024, foi adiado duas vezes e agora tem lançamento marcado para março de 2025. Entre as justificativas, a Ubisoft alega esforços para remover “insensibilidades culturais”, de arquiteturas a representações de personagens – mudanças impossíveis de não serem associadas ao discurso racista de uma parcela do público contra Yasuke, figura histórica e um dos protagonistas do jogo. Com um posicionamento condescendente e morno por parte da empresa, o futuro do Credo dos Assassinos é incerto. – ES
Mais remakes
Para 2025, a tendência por readaptações de jogos consolidados segue mais forte do que nunca. Seguido do sucesso arrebatador do remake de Silent Hill 2, a próxima aposta da Konami é o relançamento de Metal Gear Solid Delta: Snake Eater, considerado por muitos o melhor título da franquia de Hideo Kojima. Após o criador ter cortado laços com a empresa, deixando para trás sua propriedade intelectual, Metal Gear recebeu lançamentos fracos e questionados pelo público. Será que a Konami vai errar com Snake mais uma vez, ou prosseguirá com seu arco de redenção?
Enquanto a Konami busca seus acertos revisitando o passado, Hideo Kojima continua investindo em narrativas ambiciosas – e que frequentemente só ele entende. Além de desenvolver Death Stranding 2: On The Beach, está cotado para este ano o lançamento de OD, um misterioso projeto de terror que une elementos de games e filmes. Como de costume, Kojima convocou um time de colaboradores de elite – incluindo Jordan Peele na produção, e as estrelas Sophia Lillis, Hunter Schafer e Udo Kier como protagonistas. – ES
Desenvolvedores renomados investem em novas franquias
Depois do recente sucesso de Marvel Rivals, a Disney não vai parar de investir em jogos dos seus super-herois tão cedo. Entre os jogos para 2025 está Marvel’s Blade, que promete acompanhar o futuro filme homônimo estrelado por Mahershala Ali, e Marvel 1943: Rise of Hydra, um game de ação da Segunda Guerra Mundial, centrado no Capitão América e no Pantera Negra. O título chama a atenção pela tecnologia impressionante de captura facial com a Unreal Engine 5, além do envolvimento proeminente de Amy Hennig, a lenda por trás de Uncharted.
Ken Levine, criador de BioShock, também espera trazer ao mundo uma nova IP em 2025. Judas será seu primeiro jogo desde BioShock: Infinite, e seguirá o mesmo esquema de ficção científica com jogabilidade em primeira pessoa. Mas as notícias que apontam para um clima pesado durante o desenvolvimento, em decorrência do modelo de trabalho agressivo de Levine, leva alguns a questionar qual será seu resultado final. Só o futuro dirá. – ES
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