O que é meu: José Henrique Bortoluci estuda passado familiar em tocante livro de memórias

Sociólogo de formação, Bortoluci usa da família para formar um panorama nacional

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Se a História é escrita pelos homens ditos comuns, o que José Henrique Bortoluci faz em seu livro de estreia é um testemunho à ferro e fogo do Brasil. Entre conversas com o pai, um caminhoneiro aposentado por questões de saúde, o autor desenha mapas de rodovias, florestas e reconstrói a memória de um país nascido da desigualdade e da exploração.

Tocante e direto ao ponto, O que é meu não demorou a ser comprado e vendido mundo afora, traduzido como exemplo cabal de como a experiência do cidadão traduz com primazia o esqueleto da sociedade. Bortoluci volta aos anos de formação dos pais, assim como nos longos períodos de tempo que o homem passava longe, dirigindo por estradas desertas.

“Aquele degrau, espaço limite entre o dentro e o fora, concretizava o estado incerto que meu pai ocupava para mim, um homem que era ao mesmo tempo uma parte essencial da minha vida e um visitante sazonal que desorganizava o ritmo dos nossos dias”.

Cheio de carinho e com mais consciência do que emoção, O que é meu traduz a simplicidade de uma vida em contraste ao contexto sócio-político do país, que passou pelos anos da Ditadura e chegou à redemocratização sem ater-se a uma classe de trabalhadores que passava quase batida pelas frestas da burocracia.

O pulo do gato, e o que o livro lançado pela Fósforo melhor arquiteta, é a maneira que uma rotina particular traduz-se plenamente no campo macro. Graduado em Sociologia, Bortoluci elucida questões teóricas à prática, dialogando com outras obras culturais da época e de agora, e como o Brasil da mídia conversa com o Brasil fora dela.

“A escritora Annie Ernaux, em sua vasta obra, aborda por diversos ângulos uma trama central: a história da filha que se afasta da classe de origem dos pais e que depois tenta compreendê-los, ao mesmo tempo que busca fazer sentido de seu próprio lugar no mundo. Outros autores desses “relatos de filiação” da classe trabalhadora construíram obras em torno desse problema fundamental — Tove Ditlevsen, James Baldwin, Didier Eribon, Édouard Louis, esses e outros viajantes entre classes sociais”.

“A doença não é apenas um fenômeno biológico, é também um novo reino de palavras, um emaranhado de vocábulos e expressões que colonizam nossa linguagem cotidiana” (Foto: Reprodução)

Exemplo de autoficção mestre em falar de si quando olha para o outro, O que é meu torna-se de todos nós, sortudos o suficiente para entrar em contato com as palavras do autor e a vida de seu pai, um homem cheio de personalidade, transmitida com afeto pelas palavras do filho. Até mesmo as passagens dolorosas, com o diagnóstico do câncer que acomete o intestino do idoso, são narradas de forma otimista, embora nunca distantes da realidade brutal e desconcertante do destino.

“Quando eu era criança, pensava na Transamazônica como ‘a rodovia do meu pai’”.

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