Jeffrey St. Jules tinha uma fantasia de infância: escapar para outro planeta. Conversando com o público em uma das sessões de O Planeta Silencioso na 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o diretor e roteirista parecia certo da possibilidade de viajar ao espaço na ficção. ‘Escapar’ já é outra história. O longa-metragem, inclusive, pode até nos levar a outro mundo, mas se fortalece nos dilemas essencialmente humanos.
Na história, alienígenas e terráqueos dividem a Terra, sem sucesso em viver em harmonia. Já aqueles que cometem algum tipo de crime devem cumprir pena trabalhando em um planeta silencioso e isolado. É lá que vive Theodore (Elias Koteas). Sentenciado à prisão perpétua, ele passa os dias nas minas e assistindo séries de ficção, um dos últimos resquícios que ele tem da vida passada. Afinal, depois de tanto tempo por lá, as memórias se tornaram nebulosas – e o fizeram esquecer até do porquê ele foi exilado.
A solitude acaba com a chegada de Niyya (Briana Middleton), uma alienígena que teve sua família assassinada quando criança e, já adulta, foi acusada de traição no Planeta Azul. O detento se anima com a possibilidade de uma companhia, mas ela quer ser deixada sozinha. A presença da garota e a aproximação gradual, porém, traz de volta uma lembrança: o detento pode ter esquecido sua verdadeira identidade e, na verdade, se chamar Nathan Flanagan, o mesmo nome do homem que matou a família de Niyya.
A revelação de que Theodore possa ser o responsável pelo assassinato da família de Niyya chega cedo, mas não é tão simples. No mundo fictício criado por St. Jules, há uma névoa que escuta os pensamentos de cada habitante e os repete em voz alta. É assim que a recém-chegada descobre que o ‘colega de cela’ pode não ser quem diz – e sequer se lembrar disso.
Ela o quer morto. Ele não acredita na acusação e está disposto a se defender. Há apenas uma saída para ambos os lados: vida ou morte. A partir de uma premissa simples, O Planeta Silencioso instaura a dúvida e a desconfiança entre os protagonistas – e em que assiste -, com tensão suficiente e atuações dignas de sustentar os mais de 90 minutos de duração. Ao mesmo tempo, discute a questão do perdão e da humanização daqueles que erraram, mas cumprem sua pena.
Só que, para um planeta silencioso, o filme fala demais. O diretor opta por focar menos na narrativa e mais em um estudo de seus protagonistas, criando uma dinâmica cansativa de descobertas e reviravoltas que amplifica como cada um lida com as situações. Enquanto presenciamos Theodore recuperar as memórias e lidar com suas ações, vemos Niyya passar de uma figura inocente para vingativa. Porém, nessa mistura, há espaço demais para reações e de menos para as reflexões, com diálogos explicitando o que poderia ser deixado para interpretação.
O isolamento ainda ajuda na criação de um ambiente hostil, em que os únicos refúgios são pods tecnológicos igualmente claustrofóbicos. No entanto, apesar da imaginação que dá origem à premissa, o design de produção e direção de arte não encontram soluções tão criativas, recorrendo a clichês da ficção científica, com um deserto árido que poderia ser em qualquer confim da Terra.
Ao passo que O Planeta Silencioso caminha para sua conclusão, deixa de lado aquilo que propôs: um olhar atento aos seus personagens. Se, antes, o ato de virar cada esquina de montanha vinha acompanhado de apreensão, o longa prefere abdicar da desconfiança e colocar todas as cartas na mesa. Não há mais espaço para dúvidas, nem curiosidade, diluindo a potência da obra.
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