O Agente Secreto: o nome é Moura. Wagner Moura

Candidato brasileiro ao Oscar 2026, filme de KMF já está nos braços do povo – e na seleção acirrada da 49ª Mostra de SP

min de leitura

Ao longo de cento e sessenta minutos, o diretor Kleber Mendonça Filho mostra as diversas facetas e os múltiplos disfarces de Marcelo (Wagner Moura), um chefe de departamento da universidade que acaba pego no fogo-cruzado do Brasil às vésperas da década de oitenta. A Ditadura Militar come solta em paralelo ao silenciamento das vozes que ousam divergir do imposto. O Agente Secreto foca nos murmúrios.

Ambicioso e plural, o filme de KMF saiu laureado de Cannes com as honrarias de Direção e Atuação Masculina, num ineditismo que aponta a verve política e austera do realizador. O Agente Secreto se incha de personagens carismáticos para então desaguar o drama silencioso de um homem em fuga; seus perseguidores, uma série de engravatados e mal-encarados pistoleiros, correm atrás do prêmio sem ideia do que motiva tais ações.

KMF reúne um estrelado time de atores e atrizes: Maria Fernanda Cândido, Gabriel Leone, Thomás Aquino, Robério Diógenes, Kaiony Venâncio e Licínio Januário são apenas alguns dos nomes de O Agente Secreto (Foto: Vitrine Filmes)

Estamos em 1977, e o sol de Recife cozinha um cadáver na beira da estrada. A polícia não se importa o bastante para checar o crime, e prefere passar os dias de Carnaval atrás de propina e de irregularidades no veículo do recém-chegado viajante. Papo vai, papo vem, e Marcelo enfim estaciona na vizinhança supervisionada por uma mulher de fibra.

Dona Sebastiana (Tânia Maria) é cheia de agrados e puxões de orelha, e conquista qualquer um com o humor esbaforido e seco, dando ordens para os meninos que ajudam-na nas tarefas domésticas. Espécie de quartel-general da resistência, aqueles casebres empilhados entre o mar e o deserto são a casa de várias pessoas de bem, impedidas de viverem em plena liberdade.

Na pele de Dona Sebastiana, Tânia Maria rouba o filme e sai correndo (Foto: Vitrine Filmes)

A dentista Claudia (Hermila Guedes), a refugiada angolana Tereza (Isabél Zuaa, de As Boas Maneiras), e os adultos que acabaram de completar a maioridade e já se encontram na beira do perigoso estado brasileiro; todos são vitais. O Agente Secreto dedilha as verdades e as omissões da trupe de Sebastiana, com versões de ficção e realidade se misturando, e assim dando margem para um mundo alternativo, onde a amizade e o companheirismo dão conta de acabar com a violência.

Nesta casa, habitada por um gato-de-duas-caras, todas as identidades se misturam. Na verdade, a névoa fantasmagórica que ronda os anos de chumbo no Brasil estão implicados na cidade como um todo. No Cinema São Luiz, o público passa mal e sai aos gritos das sessões de A Profecia (1978), preocupados com os horrores da tela enquanto os noticiários oferecem, à plena vista, um retrato de terror palpável entre as propagandas. 

A fotografia de Evgenia Alexandrova captura uma Recife que oscila entre o belo e o brutal, amparada pelo trabalho de montagem de Eduardo Serrano e Matheus Farias, e do som de Moabe Filho, Pedrinho Moreira e Tjin Hazen, que homenageiam muito do Cinema setentista (Foto: Vitrine Filmes)

Mais adiante, até um tubarão empanturrado de perna humana ganha a atenção da Lei, gerando outra das ideias de KMF na transmutação de suas pesquisas para Retratos Fantasmas (2023) no roteiro de O Agente Secreto. A perna cabeluda, que confundiu e maravilhou as audiências de Cannes, protagoniza a própria sequência sanguinolenta no filme, nesta amálgama de folclore e preconceito que tomava conta das ruas, das praças e de qualquer ambiente onde os escondidos se arriscavam à luz da lua.

Reunindo sobreviventes de horrores diversos, o filme conta com a pequena, mas poderosa, participação de Udo Kier como um judeu que escapou vivo dos campos de extermínio, mas, pela sordidez de homens incapazes, precisa exibir as cicatrizes não como relato de dor e sim como atestado de hombridade.

No centro de todos os redemoinhos, Wagner Moura interpreta Marcelo com calma, cansaço e introspecção. Suas cenas ao lado dos sogros, vividos de forma zelosa por Carlos Francisco e Aline Marta Maia, bem como as trocas com o pequeno Fernando (Enzo Nunes), demonstram o sacrifício que a vida de concessões o obrigou a fazer. Em memória, a esposa Fatima (Alice Carvalho) é lembrança perene da perda e do sussurro quase inaudível do luto.

O Agente Secreto venceu também o prêmio FIPRESCI no Festival de Cannes, concedido ao filme que a crítica julgou o melhor dentre todos os títulos (Foto: Vitrine Filmes)

Nos braços do público, O Agente Secreto passeou por todo festival que teve direito, e chegou à 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo como Apresentação Especial e com sessões disputadas à tapa. Sorte do resto do Brasil, que ganhou amplo circuito da distribuidora, em antecipação a estreia oficial, no início de novembro. Tamanha comoção coloca KMF e Wagner Moura num caminho de glórias menos tortuoso que o de Ainda Estou Aqui.

Com troféus na ala latina do Critics Choice e indicações ao Gotham Awards, O Agente Secreto começa sua jornada por premiações com o pé direito. Moura, figura conhecida no exterior pelos papéis em Narcos, Guerra Civil, Sr. e Sra. Smith e Ladrões de Drogas, deve sagrar-se nas cerimônias em busca do Oscar 2026, onde o filme representa o Brasil com força e muita pirraça.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *