Como se o ambiente altamente competitivo da culinária não fosse alarmante o suficiente, a 4ª temporada de The Bear coloca um relógio na cozinha. A contagem decrescente começa em mil quatrocentos e quarenta horas; o número equivale a dois meses, tempo que o restaurante tem para se firmar antes de sangrar mais do que lucrar.
Se o ano anterior ficou marcado pela resposta negativa da audiência e por fragmentos sentimentais à derivas, The Bear firma como missão uma retomada. Gravadas juntas, as seasons apresentam temas conjugados, mas o que Christopher Storer usa para destacar uma da outra é o crescimento dos cozinheiros.

A calmaria depois da tempestade da chegada de Carmy (Jeremy Allen White), seguida da reforma do espaço físico e a explosão que tomou conta dos funcionários, e chega a hora de respirar e procurar saídas materiais para os problemas internos e externos da estrutura. Personagens secundários, caso de Tina (Liza Colón-Zayas), Marcus (Lionel Boyce) e Sugar (Abby Elliott), têm menos a resolver no novo ano.
Vencedora do Emmy pela temporada 2, Tina luta contra um pequeno cronômetro, buscando a meta de cozinhar uma porção refinada de massa em menos de três minutos. Já Marcus enfrenta as burocracias na venda da casa da mãe, mas também é amparado pela presença de Luca (Will Poulter), que segura as pontas no restaurante, oferecendo trabalho em troca de um salário temporário.

Richie (Ebon Moss-Bachrach), mais seguro na posição de pai separado, contrata a equipe por quem se apaixonou em Forks, enriquecendo a disciplina e a produtividade do local. Com Jessica (Sarah Ramos), o primo Berzatto compartilha alguns fantasmas, mas agora sob a ótica esperançosa e nada maculada de sua reconstrução como ser humano capaz de ser comunicativo e assertivo.
No melhor trabalho da carreira, Ayo Edebiri interpreta uma versão mais descontrolada de Sydney, em constante dúvida de qual futuro seguir. A proposta de Adam Shapiro, interpretando uma versão fictícia de si mesmo, segue quente na mesa, deixando a jovem em clima de ataque dos nervos. Em pesadelos, com a cozinha em dilúvio, representa-se o estado emocional que ebule no ataque cardíaco do pai, papel de Robert Townsend, e depois na catártica gritaria da season finale.

Fica claro, pelo andamento mais controlado do roteiro, que The Bear entende as falhas do contemplativo ano 3, desta vez mirando em resolver conflitos em vez de inflamar rusgas inéditas. A própria Syd protagoniza uma silenciosa revolução em Worms, com roteiro de Edebiri e Boyce e direção de Janicza Bravo (Zola, Atlanta, Mrs. America), e participação mais do que esplêndida de Danielle Deadwyler. Na tarde que passa com as tranças sendo refeitas, Sydney conversa com a prima mais jovem e tira dali uma saída sólida para os problemas que vivem no campo imaterial.
Justo na veia do perdão, Carmy recolhe os cacos da relação inacabada com Claire (Molly Gordon) e dá o seu melhor para remendar a hemorragia. O resultado se mostra mais positivo e cauteloso do que o histórico do chef – e tamanha sensação de alívio que ele direciona a mentalidade para a conflituosa troca com a mãe Donna, em outra entrega sublime de Jamie Lee Curtis.

Os mais velhos membros do clã Berzatto são adereçados com a simpatia que apenas o tempo é capaz de dedicar. O episódio 7, intitulado Bears e passado todo na festa do casamento de Tiffany (Gillian Jacobs) e Frank (Josh Hartnett), repete a lista de elenco do catastrófico Fishes, mas emula as emoções na chave da serenidade.
De surpresa, a aparição da frenética prima Francine (Brie Larson) apenas desarranja os mecanismos de Sugar, já que o restante do pessoal quer mais curtir do que discutir. E voltam todos: John Mulaney, Sarah Paulson, Bob Odenkirk e a trupe dos Fak, em momentos de conversa e troca honestas. Por esse episódio, The Bear justifica a tese branda do quarto ano, que termina com o relógio zerado e Carmy de olho na aposentadoria.

Goodbye, a season finale, dá conta de resolver as rusgas entre os personagens, numa discussão que cresce na veia teatral e tem cara de fim da série. Para todas as tramas atadas, The Bear deixa a porta aberta para a confirmada temporada 5. Afinal, os esforços de Ebra (Edwin Lee Gibson) ao lado do consultor Albert (Rob Reiner) para transformar o restaurante em lucrativo não podem passar despercebidos, certo?
A resposta, embora nebulosa, é maculada pelas diversas postagens do elenco, que parecia referir-se ao quarto ano como o derradeiro e conclusivo. Perigando tornar-se repetitiva e enfadonha, a cria de Christopher Storer e Joanna Calo oxigena os cozinheiros, encaminhando-os para o precipício das epifanias, sejam elas na forma de uma perda total do vínculo alimentar ou, ao inverso, na assinatura de parceria que tira um Berzatto de cena e o substitui por outro. Com essa família, a definição costuma surpreender.
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