Na 2ª temporada de Girls, mentir é o único refúgio

Desconfortável, o processo de amadurecimento para as amigas de Hannah é mais solitário que compartilhado

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Semanas se passaram desde que Jessa (Jemima Kirke) se casou. Adam está engessado depois de ser atropelado por culpa – ou quase – de Hannah, e Shoshanna vive um romance de princesa com Ray. Marnie, ao contrário das amigas, está presa no poço de cobrança e fracasso em que pulou no final da primeira temporada de Girls. Na segunda, Lena Dunham separa as protagonistas e fala dos esconderijos perfeitos.

Hannah (Dunham) não namora mais com Adam (Adam Driver), mas vive na casa dele e cuida de todas suas necessidades – até as fisiológicas. Mas o caso passageiro com Sandy (Donald Glover) desperta nela sentimentos até então inexplorados numa relação, como a cumplicidade e a sinergia. Pena que ele é Republicano, o que causa a fissura que Girls encara no conflito de gênero e raça dos personagens.

Na segunda temporada, as amigas se isolam para lidar com problemas maiores que o normal (Foto: HBO)

Quem também enfrenta confusão na própria mente é Elijah (Andrew Rannells), que transa com Marnie num rompante desconfortável que causará uma bola de neve na relação com Hannah. O ator, prestes a protagonizar a comédia The New Normal, deixou Girls, e só voltou ao convívio das amigas quando o show foi cancelado.

Jemima Kirke precisou se ausentar da série, mas por razões distintas. Grávida de seu primeiro filho, a atriz protagoniza momentos de tristeza absoluta com o fim do casamento com Thomas-John e as farpas trocadas. Tamanha fossa que a britânica passa a morar na banheira de Hannah e, depois, visita o pai ausente (Ben Mendelsohn) e some sem deixar pistas.

Lena Dunham contou que a carta de Jessa era mais arrependida no começo, mas achou que não combinava e pediu a Jemima Kirke, que acabou escrevendo a versão usada no episódio (Foto: HBO)

O capítulo, chamado de Video Games, vê Jessa e Hannah viajando para o norte de Nova York para encararem o passado conturbado da primeira e o futuro em riste da segunda. Na casa de campo do pai e da madrasta Petula (Rosanna Arquette), Jessa precisa cavar fundo nos sentimentos de abandono e raiva que cultivou pelo homem desde sua infância. Kirke dá um show de vulnerabilidade desinibida. Enquanto isso, Dunham experiencia uma trepada afoita com o irmão-postiço jovem adulto da amiga.

Ao separar as personagens, o roteiro de Girls tira de letra o desenvolvimento latente de questões que só as garotas sentem na pele. Hannah vive um turbilhão que mistura cocaína como inspiração para a escrita, e até uma vida de esposa-relâmpago com Joshua (Patrick Wilson), um médico que vai no café de Ray arrumar confusão e acaba enfeitiçado pela personagem.

Segundo Lena Dunham, a ideia do episódio e boa parte do texto surgiram durante um delírio febril; na internet, o GIF com a surpresa dela e a reação de Wilson tornou-se antológico (Foto: HBO)

One Man’s Trash acompanha os poucos dias que Hannah se refugia no apartamento luxuoso dele, e, aos poucos, entende a inveja e o desejo que brigam entre si quando ela olha para uma existência que abusa de benefícios e não poderia ser mais distinta daquela que vive. A segunda temporada é uma de muita solidão para Hannah, que passa boa parte do tempo em conflito com os prazos do editor (John Cameron Mitchell) e volta a uma posição de ineficiência que desperta o TOC.

Autossabotagem e vergonha comandam as ações dela nos episódios finais, em momentos em que ela prefere se esconder embaixo da cama do que conversar com Marnie (Allison Williams). E se Hannah passa pelo pior só, Marnie precisa de uma plateia para evidenciar o rombo emocional que o término com Charlie (Christopher Abbott) deixou nela. Não ajuda que o ex-namorado está feliz da vida com sua nova garota e até desembolsou uma grana com a criação e venda de um aplicativo que nasceu depois do fim do longo namoro.

Na vida real, Lena Dunham realmente sofre de TOC (Foto: HBO)

Depois, quando se envolve com Booth Jonathan (Jorma Taccone), um artista metido à besta que mais machuca Marnie do que a faz feliz, os sonhos futuros morrem e só são revividos no conselho de Ray. Marnie quer cantar – e ela o faz, na emblemática festa de comemoração do sucesso da empresa de Charlie, ao som de Kanye West. Ninguém aplaude, mas a auto centralização da personalidade de Marnie impede aquilo de envergonhá-la, em outra das defesas que as personagens de Girls adoram usar como escudo e espada.

Shoshanna (Zosia Mamet) cresce para além do que esperava ser possível, e é presença menos firme na temporada, protagonizando o arco de traição e liberdade com Ray, esse sim uma figura central do ano 2. Desiludido quanto aos planos de futuro, ele até se mete com Adam em uma viagem a Staten Island para devolver um cachorro roubado. O episódio, Boys, é o primeiro com crédito de roteiro solo para um homem na série, e ilumina a interpretação ocasionalmente cômica de Alex Karpovsky sob a perspectiva de que o percurso até ali tenha sido em vão. 

Ray Ploshansky: “Qual é o nome do pestinha?”/Adam Sackler: “Cachorro. O nome dele é Cachorro” (Foto: HBO)

Adam, livre do que achava ser a nociva relação com Hannah, frequenta as reuniões ao AA e lá conhece a personagem de Carol Kane, que imediatamente organiza um encontro com o altão com cara de bravo e sua filha Natalia (Shiri Appleby). O que começa como um fofo romance termina no episódio 9, On All Fours, na cena de abuso sexual que congela a série e traz o medo e o desconforto para o foco da imagem. É tudo gráfico e não esconde as sujeiras do ato, ancorado pelo trabalho físico e emocional de Driver e Appleby.

A música continua central em Girls, com momentos íntimos como a versão de Wonderwall que Hannah canta na banheira e é agraciada com a presença em frangalhos de Jessa, e a sequência na balada onde Hannah e Elijah pulam e gritam ao som de I Love It. Aqui, os sentimentos estão acoplados ao mundo externo, e até uma chamada de vídeo entre a protagonista e Adam evidencia a tecnologia como meio de conexão para além da tristeza e da solidão adulta.

O episódio causou polêmica pela cena de sexo entre Adam e Natalia, vista como abuso, e foi descrito pelo crítico da TIME Jim Poniewozik como a meia hora mais desconfortável da TV no ano (Foto: HBO)

Os atores convidados são de aplaudir de pé: Rita Wilson é a mãe de Marnie; Jon Glaser é Laird, o vizinho drogado que ajuda Hannah; Griffin Dunne e Deborah Rush são os pais do Thomas-John; Greta Lee é Soojin, antiga assistente do Booth Jonathan; e como nem toda surpresa é positiva, Amy Schumer vive uma amiga da namorada de Adam.

No Emmy 2013, Dunham foi indicada ao prêmio de Direção pelo episódio do abuso, On All Fours, além de repetir as indicações em Atriz e Série de Comédia; Adam Driver apareceu na lista de Ator Coadjuvante. O Critics Choice indicou Alex Karpovsky como Coadjuvante e Patrick Wilson como Convidado.

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