Na 1ª temporada de Girls, a radiografia do desconforto

Marcante e infinitamente replicada, a fórmula de Girls mudou a TV e continua deliciosa e constrangedora

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Em 2012, Lena Dunham estreou nas telas da HBO com uma comédia de traços autobiográficos que acompanha a vida de um quarteto de amigas recém-saídas da faculdade na cidade de Nova York. As comparações entre Girls e Sex and the City são encaradas nos primeiros momentos do Piloto, quando Shoshanna, a mais juvenil e imatura do grupo, se define como Samantha para a prima Jessa, britânica que está de passagem.

Mas não são essas as duas personagens principais de Girls. Hannah (Dunham) é escritora por hobbie e não trabalha de jeito nenhum; e não é por falta de tentativa, já que ela passa de emprego em emprego sem a possibilidade de criar raízes. Oposto de Marnie (Allison Williams), a regrada, cheia de manias e mais segura das amigas. Namora há quatro anos com Charlie (Christopher Abbott), mas chegou ao ponto de odiar cada gesto de amor dele.

Shoshanna Shapiro: Você nunca viu Rent?

Marnie Michaels: Por favor, já vi tipo umas 12 vezes. Foi basicamente por isso que me mudei para Nova York.

Na 1ª temporada, Andrew Rannells é o ex-gay da Hannah, Michael Imperioli é seu professor-mentor, Alex Karpovsky é o desengonçado amigo de Charlie, e Chris O’Dowd é o executivo que leva Marnie e Jessa para casa (Foto: HBO)

Se Hannah luta pela atenção de Adam (Adam Driver), o descamisado gigante com quem transa sem parar mas nunca o encontra fora de seu apartamento desajeitado, Marnie quer se livrar das algemas que prendem-na ao papel de bom moço que Charlie desempenha na cama e além dela. Jessa (Jemima Kirke) é um espírito livre, flutuando entre casos relâmpagos e até enrascadas situações com o marido da mulher que a contratou como babá das filhas, vividos, respectivamente por James LeGros e Kathryn Hahn.

Shoshanna (Zosia Mamet), coitada, sente que ficou para trás. Única universitária do grupo, ela fantasia uma realidade aquém das expectativas, com seu apartamento cor-de-rosa e sua infinita coleção de filmes. No fim, ela quer mesmo é ultrapassar essas barreiras invisíveis que a maturidade é construída ao redor; a virgem menos virginal de todas aparece bem menos que as amigas na primeira temporada, mas cada cena faz valer a intenção, do uso acidental de crack ao quase-sexo com o antigo colega de acampamento, papel de Skylar Astin.

Jessa Johansson: Sabe qual é a parte mais estranha de ter um emprego? Você tem que estar lá todo dia, até nos dias em que não está a fim.

Lena Dunham dirige parte dos episódios; entre os diretores convidados, destacam-se Richard Shepard, vencedor do Emmy pela Direção do Piloto de Ugly Betty e Jesse Peretz, indicado ao Emmy pela Direção do Piloto de GLOW (Foto: HBO)

Na grade da HBO, Girls fez sucesso como um antídoto ao otimismo e ao glamour que a audiência imaginava ao pensar nas árduas realizações pessoais. As quatro são, cada uma a seu modo, losers em posição de vitória. Ninguém dá o braço a torcer, mas todas as feridas expostas machucam e não teimam em sarar de uma vez. Hannah, o epicentro criativo da série, colocou Dunham no radar e na dianteira de uma geração de autores-protagonistas.

No Emmy 2012, Girls concorreu aos prêmios de Série de Comédia, Atriz, Direção,  Roteiro e Direção de Elenco. No Sindicato dos Roteiristas, venceu como Nova Série, e no dos Diretores, venceu também pelo Piloto. No Globo de Ouro, Dunham e a série saíram coroadas, e no Critics Choice, o trabalho convidado de Becky Ann Baker e Peter Scolari, pais de Hannah, foi indicado junto da própria protagonista.

Jessa Johansson: Olha pra mim. Você fumou crack. Você fumou crack.

Shoshanna Shapiro: Ai, meu Deus, não fala pra minha mãe. Nem pra mim, sério.

Além de fotografar para a eternidade a moda da época, Girls faz ótimo trabalho na trilha sonora, de uma coreografia sozinha no quarto ao som de Dancing On My Own ao eventual término guiado por Skyscraper; isso sem falar na paz de espírito de ver Hannah tweetando no layout clássico (Foto: HBO)

Capturando uma fúria millenial que só se equiparava ao ódio e ao descontentamnto da geração pelo florescer do mundo adulto, Girls versa sobre todo tipo de situações trivial, do sexo desconfortável, a liberdade feminina, a loucura dos vinte e poucos e até daquilo que sentimos ao olhar para trás e ponderar os diversos “e se?” que trouxeram-nos ao presente.

The Return, sexto capítulo e com roteiro co-escrito por Judd Apatow, transporta Hannah de volta para a casa dos pais, indo até um encontro com um colega da escola que vive plenamente a vida de farmacêutico da pequena cidade. Será que se mudar para NY e perseguir essa carreira artística de mais baixas do que sucessos é o suficiente para ela? A coisa piora quando sua nêmesis, papel de Jenny Slate, conquista a publicação de um livro e todo o coro de felicitações que Hannah fantasia para si.

A temporada acaba colocando as amigas em um precipício evolutivo: ou pula, ou fica para trás (Foto: HBO)

Indulgente e autocentrada, a protagonista cai nas ciladas da própria retórica, especialmente quando Adam, disposto a mergulhar de vez no namoro deles, reconhece o egoísmo da parceira. Marnie, na mesma toada, decide se mudar do apartamento onde bancava as excentricidades da amiga. Dunham recolhe os cacos das decisões tomadas na season finale, She Did, episódio que serviu de submissão ao prêmio de Atriz em Comédia no Emmy 2012; na ocasião, perdeu para Julia Louis-Dreyfus, por Veep.

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