Muito Esforçado: a pantomima universitária de um Adônis enrustido 

Comédia de Benito Skinner desvia do cansaço da faculdade e se destaca pelo humor e pela honestidade

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Benny (Benito Skinner) era o bambambã no Ensino Médio: capitão do time de futebol americano, rei do baile e astro do colégio. Em Muito Esforçado, comédia do Prime Video que acompanha a chegada do jovem à faculdade, o cenário não poderia ser mais diferente.

Com tons autobiográficos, a série se rende aos estereótipos do imaginário yankee ao mesmo tempo em que cria uma reflexão muito madura e muito engraçada sobre se assumir gay num momento tão marcante e indistinguível da vida. 

Na exploração do homoerotismo das fraternidades, a série passeia pela mitologia de American Pie, Big Mouth e de outros clássicos retratos da juventude desvairada (Foto: Prime Video)

Na universidade de Yates, ele conhece Carmen (Wally Baram), que passa de possível crush para a melhor amiga que todo mundo deveria ter. Ela própria está enfrentando batalhas impossíveis de serem vencidas sozinhas, do luto pela morte do irmão ao já esperado objetivo de se encontrar ali, entre tanta gente e tantas questões pessoais.

Overcompensating, no original, é parceria da A24 com a Amazon, e distingui-se pela criação de Skinner, relembrando acontecimentos reais e misturando ficção em seus anos antes de assumir a homossexualidade. A gama de personagens, em sua maioria retratos histriônicos e paródicos dos “tipos” americanos, é observada com sinceridade e um carinho inesperado.

Estreando na frente das câmeras, Wally Baram escreveu episódios de Falando a Real e de What We Do in the Shadows (Foto: Prime Video)

Ecos de American Pie podem ser sentidos na abordagem sexual diretamente cravejada de bumbuns e seios, assim como certa predisposição pela escatologia como motor do humor. Mas Muito Esforçado não se limita a “imitar” o que foi feito, já que Skinner imprime originalidade e alma em seu Benny.

Louvado pelos pais, vividos por Kyle Maclachlan e Connie Britton, o posto de perfeição mais machucou do que ajudou Benny, interpretado com gana por Skinner. Sua “persona” heterossexual é em iguais partes amedrontadora e terrivelmente eficaz na mímese dos comportamentos animalescos e brutos – a cada farsa que precisa emular, o ator esconde a dor de mil cortes no fundo dos olhos.

Atenção para o elenco convidado que só um criador gay poderia escalar: Caleb Hearon, Matt Rogers, Bowen Yang, Megan Fox, Kaia Gerber, James Van Der Beek e Maddie Phillips (Foto: Prime Video) 

Na contramão da contemporânea narrativa de A Vida Sexual das Universitárias, Overcompensating diminui a lupa e transforma a rotina de Benny numa jornada do herói. Pelo caminho, o cunhado Peter (Adam DiMarco) aparece em posição de soberania – até que o castelo de cartas caia em ruínas. Grace (Mary Beth Barone), irmã do protagonista, ganha tratamento tridimensional, numa juventude que floresceu nas piores referências e influências.

Sem julgar as tantas figuras da faculdade, o roteiro de Skinner e de Scott King confere identidade e vulnerabilidade a elas. Hailee (Holmes) se opõe aos rótulos e toma controle da própria vida; Miles (Rish Shah), o crush não-correspondido de Benny, é todo mistério e sensualidade; já George (Owen Thiele), com toda sua confiança e austeridade, rejeita o papel de vítima e ataca antes de ser atingido.

A direção é dividida entre Desiree Akhavan, que até faz uma ponta na série, e Daniel Gray Longino, indicado ao Emmy por Portlandia (Foto: Prime Video)

Até Charli xcx aparece na festa. No episódio 4, obviamente batizado de Boom Clap, a britânica é contratada para cantar na faculdade – e odeia cada minuto da experiência. Oposto do ocorrido no mundo real, onde a cantora atua como produtora executiva e produtora da trilha sonora, inclusive cedendo uma série de canções de seu repertório para embalar os dramas: da comicamente sentimental Boys ao estardalhaço juvenil de claws e a serenata tristíssima de Official.

Já renovada para a segunda temporada, Muito Esforçado amadurece e liberta Benny ao passar dos oito episódios, com destaque para o sétimo, na Ação de Graças em que ele enfim dá seu primeiro beijo gay. O escolhido é Sammy (Lukas Gage), colega da escola que assombra suas memórias com um momento de intimidade que Benny respondeu com violência.

Os episódios, batizados como as canções que embalam os momentos, passam voando – e terminam num gancho cruel que demanda o retorno mais rápido possível de Benny e seus amigos disfuncionais. Resta saber se, com o medo de assumir-se deixado para trás, o personagem irá, enfim, vivenciar as glórias e turbulências que só a viadagem propicia, do uso de poppers ao som das notificações do Grindr.

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