A história explode à quentura de acontecimentos incomuns e inquietantes: os grandes cientistas do mundo estão em estado de perplexidade, com gráficos e cálculos canibalizando uns aos outros. As contas não somam, os satélites flutuam em negação; há algo de errado com a Ciência. A pontinha do grande iceberg está na premissa de O Problema dos 3 Corpos, livro do chinês Cixin Liu, transformado em série pelos criadores de Game of Thrones.
Alguns anos (e muitos traumas) depois do fim da série da HBO, David Benioff e D. B. Weiss unem forças a Alexander Woo (de True Blood), desta vez sob nova direção. Na Netflix, o premiado romance de ficção científica é observado com cautela e maravilhamento. No elenco, um grupo diverso de intelectuais e nerds tenta, em vão, dar razão aos problemas essencialmente matemáticos da atualidade.
Alguns pobres coitados enxergam uma espécie de alucinação visual, com um relógio pré-datando as horas, minutos e segundo para tragédias pessoais. Contra o tempo, a especialista na novíssima tecnologia de nanofibras Auggie Salazar (Eiza González) sofre com o cronômetro maldito, e recorre aos amigos que fez na faculdade de Oxford. Agora, com todos adultos, enlutados e imersos nas realidades individuais, eles tem de trabalhar em harmonia com um investigador e seu chefe, interessados no que há além da percepção mundana.
A galera é gente boa: Saul Durand (Jovan Adepo) gosta de uma noitada tanto quanto de questões cibernéticas; Jin Cheng (Jess Hong) é pé no chão e extremamente prática; Will Downing (Alex Sharp) não deixou que a carreira acadêmica diminuísse sua paixão pela vida; e até o mimado e endinheirado Jack Rooney (John Bradley) esbanja simpatia. Cada qual em seu galho, o grupo atua frente a mortes inesperadas, fanatismo religioso, uma aula de ciências simplificada, uma pitada do pragmatismo terrestre de Dark e a certeza de que o pior está por vir.
São quatro os diretores encarregados de dar vida à 3 Body Problem, em uma temporada inicial de oito capítulos desarmônicos quando a régua é a construção de mistério e a sustentação dos fios narrativos. A trilha fantástica de Ramin Djawadi embala cada sequência, por mais caótica ou contemplativa que seja. O começo carrega a marca gênese e polêmica da produção, na mistura do sci-fi com elementos do governo comunista que sufocou a China depois da Segunda Guerra.
Na parcela ambientada nos anos 60, a jovem Ye Wenjie (a vencedora do Gotham, Zine Tseng) perde o pai para o regime, a mãe para a doutrina, e a fé com a humanidade. De encontro a um americano com ideias para lá de revolucionárias, ela convida o perigo para entrar. Envelhecida na amargura do passado, sua versão atual é papel de Rosalind Chao, uma atriz introduzida na série na chave do mistério e que parte para a desilusão inerente ao processo de amadurecimento. Idem para a própria produção, que blefa e revela indisciplina.
Afinal, com o videogame misterioso que parece treinar os cientistas para o que está no horizonte, e toda a conspiração enquadrada pelas pistas descobertas por Da Shi (Benedict Wong), era de se pensar que O Problema dos 3 Corpos seguraria as pontas e só falasse com propriedade e materialidade dos alienígenas que assombram a Terra lá pelas horas finais. Nada disso. Com a largada queimada antes da série alcançar metade de sua vida útil, é involuntário que a paciência da audiência se esvaia com a mesma agilidade.
O que fica no lugar é o carisma de um elenco selecionado à perfeição (obrigado, Nina Gold), com espaço para um sádico Liam Cunningham, em mais um dos casos onde os atores de Westeros seguiram os mestres e vieram brincar de contas e previsões. Há medo e pesar, mas o roteiro desliza em timing e em alicerce, já que a ameaça extraterrestre tem data muito longínqua para chegar aos personagens. Questões sobre mortalidade e legalidade estão presentes na eterna mastigação dos personagens, em arcos pouco resolutos e, pior ainda, anti climáticos.
Caindo de gaiato na categoria de Melhor Drama do Emmy 2024, a série não conquistou menções para direção, roteiro ou mesmo alguns de seus vários candidatos em atuação. Foram outras 5 lembranças, todas técnicas: Montagem, Edição de Som, Mixagem de Som, Fotografia e Design de Abertura. Judgment Day, o episódio 5, foi a submissão da Netflix, que também emplacou The Crown na luta pelo troféu da categoria. Com a promessa de retornar para “mais episódios”, O Problema dos 3 Corpos compensa em carisma o que sente falta em sagacidade.
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