O telefonema que comunica a metástase do câncer de mama, agora em fase terminal e portanto incurável, não acaba com as esperanças de Molly (Michelle Williams). É o contexto da ligação, na sala de terapia para casais, soterrada em um burocrático casamento sem contato, que destrói o fiapo de resiliência da mulher. Em Morrendo por Sexo, a história real de alguém que precisou assinar o nome no livro da morte para aproveitar a vida é mais divertida e emocionanete do que deveria.
Criada por Elizabeth Meriwether e Kim Rosenstock, de New Girl e The Dropout, baseando-se no podcast de sucesso comandado por Molly Kochan e Nikki Boyer, a minissérie desmonta os pressupostos puritanos do sexo e retrata uma miríade de relações, preferências e ocasiões incomuns, sob a lente da curiosidade e do prazer. No elenco, um leque de talentos distintos dá conta de diversificar as lágrimas de riso e as de choro.

Williams, sublime em cena, esconde topografias de emoções atrás das sobrancelhas, interpretando Molly com voracidade e fogo na calcinha. Ela deixa o marido Steve (Jay Duplass), e se alia ao desbocado comportamento da melhor amiga Nikki (Jenny Slate) para começar a desbravar, em pouquíssimo tempo, tudo que lhe foi abdicado no passado. BDSM, puppy play, dominação com humilhação, xixi, cheiros, abraços, contato limitado e até uma gaiola peniana são os protagonistas dos oito episódios, que se completam em trinta minutos de risada, honestidade e a dor que acompanha o pré-luto.
Pense na acidez de Fleabag e um pouco da vulnerabilidade de I May Destroy You e então comece a desenhar as nuances de Dying for Sex, que conta com o desenvolvimento criativo da Nikki real, uma personalidade da mídia que ajudou a amiga Molly até o fim, que morreu em 2019.

Interpretando a amiga que igualmente desmorona entre o ser adulta, ter emprego e construir um relacionamento com o inofensivo Noah (Kelvin Yu), Slate demonstra maturidade. Depois de impressionar na voz e no roteiro do inesquecível Marcel the Shell with Shoes On, a comediante enfrenta um desafio de múltiplas camadas, precisando encontrar o meio-termo entre o cômico e o trágico. Ao lado de Williams, suas cenas são fantásticas pela mundanidade das ações.
Objeto de desejo da protagonista, o vizinho sem nome de Rob Delaney representa um contraponto a crueldade da vida, desconstruindo a carrasca de bruto e vivendo, ao lado de Molly, intimidades inimagináveis. Morrendo por Sexo é esperançosa e realista, também preenchendo as salas de espera e consultórios com figuras tão apoiadoras quanto cientes de onde estão.
O Doutor Jerry (David Rasche), de tanto conviver com a mulherada, ganha traços de simpatia e humaniza os clínicos procedimentos do tratamento do câncer. Sonya, (Esco Jouley), que serve o papel de cuidados paliativos, ajuda Molly em mais do que nas drogas que impedem a dor de tomar conta de si, libertando sua visão e abrindo o mundo para novas maneiras de trafegá-lo. E, nos estágios finais, a enfermeira Amy (Paula Pell) encara a morte como entusiasticamente e convidativa.

Gail (Sissy Spacek) é a mãe que aparece em dois dos oito episódios, mas deixa a marca de uma mulher muito transtornada pelo passado de vícios, e também culpada pela errônea ideia de que o abuso sofrido por Molly na infância, um trauma que persiste até seus dias finais, foi inteiramente feito dela. Quando encara o pedófilo, filmado com câmera trêmula e pose de bicho-papão na fisionomia de Matthew Tarricone, a série mais uma vez mergulha na ficção para remendar um problema real de forma fortuita e nada tola.
It’s Not That Serious dá cabo da vida de Molly sem deixar que Nikki fique perdida no labirinto angustiante da perda da amiga. Williams, de cabelos cor-de-rosa e surfando nos distúrbios químicos que o corpo mistura prestes a encerrar suas atividades, comunica o amor de uma existência curta no olhar, trocando momentos de intimidade e silêncio com as duas mulheres que a carregam para longe daqui.

Emocionante sem soar mesquinha, sentimental sem se jogar no sentimentalismo de banca de jornal e desbocada no visual que varia entre os pintos, as taras e os apetrechos, não há nada na TV com a mesma desenvoltura e morbidez de Morrendo por Sexo. Michelle Williams, que só aceitou o trabalho depois de sua filha ficar viciada em New Girl e contatar as criadoras, continua desbravando uma carreira de escolhas ousadas, não convencionais e imprevisivelmente estonteantes.
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