CHAMELEO coloca o dedo em todas as tomadas com SOBRECARGA

Depois de explorar vulnerabilidades em ALTA TENSÃO, o cantor retorna ainda mais energizado com a versão deluxe de seu segundo álbum de estúdio

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A imagem mostra o cantor CHAMELEO, um homem branco, caído no chão, usando uma peruca azul úmida. Seus braços estão amarrados, há sangue saindo de sua boca e ele exibe algumas tatuagens.

CHAMELEO se aventura por diferentes sonoridades ao lado dos DJs CyberKills, Clementaum, Ramemes e S4TAN (Foto: Junior Scoz)

Transformação sempre foi uma marca presente na vida íntima e artística de CHAMELEO (se fala k-milio). Desde pequeno, o curitibano demonstrava interesse por diferentes formas de expressão. Aos 7 anos, entrou para o teatro e aprendeu a tocar guitarra. Durante a adolescência, mudou-se para Los Angeles, onde estudou produção musical e aprofundou seu domínio técnico e criativo no universo sonoro.

Antes de alcançar projeção nacional com frequente(mente), o artista explorava um mundo mais introspectivo no EP utopiaTABOO, que reunia faixas em inglês e português, influenciado por sua formação nos Estados Unidos e na Austrália. O trabalho trazia sonoridades mais lentas e melancólicas, características do indie alternativo e underground, marcadas pelo anseio de superar um câncer no pulmão.

Os visuais já se destacavam pela linguagem que mesclava moda, arte e cinema, com clipes bem dirigidos e narrativas próprias, como Carne, que adotou uma estética de terror rural, e Limbo, de tom bastante confessional.

No álbum de estreia ECDISE, CHAMELEO evidencia sua versatilidade reptiliana com visuais ainda mais marcantes e colaborações especiais com Pabllo Vittar, Carol Biazin e Johnny Hooker. É nesse disco que sua identidade artística se consolida, refletindo a escolha do nome e a simbologia do camaleão, que representa adaptação, reinvenção e constante transformação.

Em ALTA TENSÃO, em vez da ‘euforia’ presente no disco anterior, é a ansiedade, combinada a traços de TDAH, que impulsiona a criação do álbum com batidas envolventes. Cadeira Elétrica sintetiza sua essência com perfeição, mesmo sem apoio de clipe ou visuais. E nem precisa, afinal a letra por si só cria imagens vívidas na mente. Como uma explosão de energia, que vai dos gritos intensos aos beats eletrônicos pulsantes, CHAMELEO consegue transmitir exatamente o que quer: impacto, intensidade e emoção em cada segundo da faixa.

A versão deluxe não poderia ter outro nome senão SOBRECARGA. O disco reúne nomes de peso da nova música brasileira, como As Irmãs de Pau, Katy da Voz e As Abusadas, Kaya Conky e Jup do Bairro, formando um time potente e diverso de artistas LGBTQIAPN+.

Das 10 faixas selecionadas do álbum original, três são inéditas, e não remixadas, como as demais. Entre os destaques está o remix de deu pra sentir?, que ganha novas camadas com a produção do DJ Ramemes.

Uma das grandes surpresas é a faixa roleta-russa, com participação de АНГЕЛ, artista russo pouco conhecido entre os brasileiros. A música é cativante do início ao fim, com batidas que convidam ao rebolado quase instantaneamente, mesmo com o idioma inicialmente estranho. Mas então entra a voz de CHAMELEO, cantando em português, e tudo se conecta num ritmo contagiante.

Em SOBRECARGA, o que pulsa já não é apenas a tensão emocional, mas sim a sexual, convidando o ouvinte a sentir tudo no volume máximo, misturando pop, tribal, funk, hyperpop, breakbeat e techno em uma explosão sonora.

Em entrevista ao Tesoura Com Ponta, CHAMELEO compartilha detalhes sobre o processo criativo de seu novo disco e relembra momentos marcantes de sua trajetória artística, revelando transformações pessoais e profissionais ao longo da carreira.

Matheus Santos: Como você se apresentaria para alguém que ainda não conhece você nem o seu estilo musical?

CHAMELEO: Venha com a cabeça aberta e não se apegue a um gênero só.

Matheus Santos: Você começou sua trajetória com um estilo próprio e uma estética marcante. Em que momento percebeu que estava criando algo único no cenário do pop brasileiro?

CHAMELEO: Logo quando eu comecei mesmo, justamente por não ver ninguém, na época, no pop masculino, ter esse lance da estética sendo algo muito marcante, eu não via. Quando eu comecei, sempre foi com esse objetivo de trazer uma imagem bem forte, mesmo sem investimento, do jeito que dava, mas sempre trazer algo que causasse algum tipo de estranheza.

Matheus Santos: Desde seu primeiro EP até agora, o que você sente que mais evoluiu na sua música e no seu processo criativo?

CHAMELEO: A forma de fazer música é o que mais evoluiu. Não me levar tão a sério, de experimentar, de entender que realmente, de fato, eu não preciso me apegar a uma coisa só.

A imagem mostra o cantor sentado sobre uma rocha, com fundo branco. Ele usa uma peruca azul úmida, está cabisbaixo e com as mãos amarradas em cabos retorcidos de arame.
A estética da edição deluxe se intensifica, trazendo ensaios que evocam o perigo e a tensão típicos dos quadros de energia de alta voltagem (Foto: Junior Scoz)

Matheus Santos: O pop brasileiro vive um momento criativo intenso. Onde você se vê dentro desse movimento? E o que gostaria de provocar ou transformar nele?

CHAMELEO: O pop vive um momento crítico no sentido de visibilidade, com gêneros como funk e sertanejo que dominam todos os charts. Eu estava vendo uma reportagem que nenhuma música pop estava no chart do Brasil. O pop de grande massa, o pop comercial, já não está ganhando mais espaço, quem dirá o pop alternativo, nichado (risos). Eu me encontro num nicho que existe um público, sim, mas acho que existe muito preconceito também dentro dos fãs de pop, dentro da própria comunidade, em aceitar e estar com a mente aberta para ouvir novas coisas também.

O pop de grande massa, o pop comercial, já não está ganhando mais espaço, quem dirá o pop alternativo, nichado (risos).

Matheus Santos: Como você lida com a liberdade artística diante das expectativas do público e da indústria?

CHAMELEO: A liberdade artística é tudo que um artista tem. É algo que eu nunca abri mão em nenhum momento da minha carreira e jamais conseguiria abrir mão também. Eu tento hoje levar de uma forma mais tranquila para mim, porque eu já sou uma pessoa ansiosa, e as coisas custam muito dinheiro e levam tempo para serem feitas. Não posso levar em conta uma expectativa de um público que exige muito — e tem que exigir mesmo, os fãs de pop são assim —, mas eu não tenho como me colocar nesse lugar por questão de investimento mesmo. As coisas já levam mais tempo quando você é independente, pela questão financeira. Então, hoje eu fico mais em paz em relação a isso, a não colocar as expectativas de fora. Você pode ter certeza que a minha própria expectativa já me consome muito.

Você pode ter certeza que a minha própria expectativa já me consome muito.

Matheus Santos: De que forma suas experiências pessoais influenciaram e ainda influenciam as letras e o estilo musical das suas músicas?

CHAMELEO: Ao longo do tempo eu consegui escrever, compor de uma forma mais abrangente, sem ser muito em específico com um caso específico que aconteceu comigo. Claro que essas músicas existem e vão continuar existindo, são as que eu mais amo! Mas existem outras músicas também que você vai para o estúdio e pensa: “Eu quero falar sobre isso”, e você pensa num tema, e desenvolve suas habilidades de compor música. E é muito legal. Ao longo dos anos, eu fui aprendendo isso, e você vai sempre deixar ela pessoal, a forma como você fala, só você fala. E eu tento deixar isso bem explícito nas minhas músicas.

Matheus Santos: Existe alguma faixa dos seus trabalhos anteriores que você considera um marco na sua carreira? Por quê?

CHAMELEO: Eu acho que colorBLIND para mim foi um marco da minha carreira musical, porque era uma época em que eu escrevia completamente sozinho, e eu tenho muito orgulho dessa música. Eu acho uma música linda, eu amo a letra, amo a melodia, o clipe que eu tive a oportunidade de ir para a Índia gravar, que foi uma experiência que de fato me transformou.

Matheus Santos: O que você anda ouvindo no repeat atualmente?

CHAMELEO: O que eu tenho ouvido muito ultimamente é música japonesa dos anos 80, 90. Eu tenho uma playlist para cada país: tenho minha playlist de música russa, tailandesa, japonesa, alemã, italiana. Eu amo me aventurar em outras línguas, porque cada país faz pop de um jeito muito diferente e particular. Então, não necessariamente o que eu estou ouvindo influencia no que eu estou fazendo em termos de música, mas eu preciso estar o tempo todo ouvindo muitas coisas, até porque eu enjoo muito fácil de uma coisa só.

Matheus Santos: Em ECDISE, você fala muito sobre transformação. O que daquele momento ainda reverbera em SOBRECARGA?

CHAMELEO: Reverbera ainda no quesito transformação. Esse álbum é uma ecdise, também o próximo vai ser, porque ecdise é a troca de pele dos répteis. ECDISE foi meu primeiro álbum, mas a palavra perdura porque eu estou sempre em constante transformação, evolução, estou sempre fazendo ecdise.

ECDISE foi meu primeiro álbum, mas a palavra perdura porque eu estou sempre em constante transformação, evolução, estou sempre fazendo ecdise.

Matheus Santos: Qual foi a faixa de SOBRECARGA mais desafiadora de produzir, seja pelo tema, pela letra ou pelo processo criativo?

CHAMELEO: Eu acho que foi roleta-russa pela questão da língua. Por mais que eu estude russo, não sei falar ainda fluentemente, eu estou aprendendo. O produtor era da Rússia, junto com o feat АНГЕЛ. Então, na hora de escrever, eu queria colocar palavras que, na época, eu sabia, e eu quis dar essa mistura. Foi a mais desafiadora nesse sentido.

Matheus Santos: Você e АНГЕЛ tentavam colaborar há pelo menos cinco anos. Como foi, enfim, tirar essa parceria do papel?

CHAMELEO: Eu e o АНГЕЛ já conversávamos há mais de cinco anos para fazer uma música juntos, e a gente chegou a fazer uma tentativa de música no passado, mas que não foi para frente. E no momento certo aconteceu, com a música certa. Eu acho ele um artista incrível, super à frente do seu tempo, também vem de um país extremamente homofóbico. Ele é resistência pura transformada em arte, e estou muito feliz de finalmente ter uma música com ele, sem contar que eu acho a língua russa extremamente sexy.

Matheus Santos: Qual foi a maior surpresa ao trabalhar com artistas como Kaya Conky, Jup do Bairro, Irmãs de Pau, Katy da Voz e As Abusadas?

CHAMELEO: A maior surpresa de trabalhar com as meninas nesse álbum não foi uma surpresa, mas sim uma confirmação de quão fodas todas são. Todas as mulheres que estão nesse álbum são incrivelmente maravilhosas, talentosíssimas, e é uma honra ter elas abraçando esse projeto comigo.

Matheus Santos: Como você enxerga o papel da música na desconstrução de tabus relacionados à liberdade sexual, como a presente no deluxe?

CHAMELEO: Eu acho essencial, seja através das letras ou através da bandeira que o artista levanta, através dos visuais, do discurso, da visibilidade que o artista tem. Música é cultura, e através da cultura a gente vai tentando abrir a cabeça das pessoas.

Matheus Santos: O que o público ainda pode esperar de SOBRECARGA?

CHAMELEO: SOBRECARGA não vai ter clipe, não é uma era. Ela é a extensão de ALTA TENSÃO, enquanto eu já estou produzindo o próximo trabalho. Mas eu queria explorar o máximo que dava e, com certeza, nesses próximos meses eu quero levar esse formato de show, que é bem mais eletrônico, mais balada mesmo, para o máximo de cidades possíveis, e aí começar a lançar coisas novas.

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