Labirinto dos Garotos Perdidos: um convite irrecusável 

Matheus Marchetti invade a 49ª Mostra de SP com seu estilo irreverente e referências preciosas

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Miguel (Giuliano Garutti) está visitando São Paulo pela primeira vez depois de adulto. Não tem a companhia dos pais e planejou a viagem para coincidir com uma prova do vestibular, e até arranjou um lugar para ficar sem precisar arcar com aluguel ou diárias. Em Labirinto dos Garotos Perdidos, Matheus Marchetti esmiúça o olhar fabular sob uma aventura noturna e mundana.

Presente na Competição Novos Diretores da 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o filme é uma produção independente que vibra originalidade e se ebule em referências. Longe de replicar a atmosfera de clássicos como Cruising, é justamente na antítese de formato e linguagem que o roteiro prova seu valor.

Sem moralismos, o filme entende os perigos da noite e se agarra a eles (Foto: Cine Reviva)

A inspiração em Girls, série seminal de Lena Dunham, está impregnada em cada linha de diálogo que extrapola e fagocita o humor, devolvendo sarcasmo e ironia. Há, também, acenos aos signos do horror de atmosfera e perseguição, esboçados especialmente na maneira que Marchetti maneja a câmera (aliado à direção de fotografia de João Paulo Belentani e Davi Krasilchik) e filma reações em espelhos, sombras e no imaginário dos personagens.

Hilário antes de ser assustador ou sanguinolento, Labirinto dos Garotos Perdidos passeia pelas experiências gays dos aplicativos de relacionamento e sexo e coloca Miguel numa montanha-russa de emoções, encontros e a imprevisível máquina de sonhos moídos e ocasionalmente revividos da cidade grande.

O departamento musical, creditado à André Zappalenti, Edain, Lucas Higashi, Nicolas Stenzel e Giuliano Garutti, brinca com a penumbra da percussão e os vórtices temporais das teclas (Foto: Cine Reserva)

Dentre o arsenal de figuras particulares, ele se envolve com um filhinho da mamãe (vivido pelo próprio diretor), um jovem com fome de pepino e um adulto que flerta com o suicídio, embora seus métodos para tal fim sejam motivo de risada. Cada um é mais característico que o anterior, muito graças aos pudores nivelados do elenco.

A fábula que guia a direção, muito enviesada pela fumaça que preenche vielas e casebres, até se transforma em música, nas belas cenas guiadas por flauta e piano, e também nas canções que ganham uma voz tão fina é estridente que ameaça romper o limite entre tela e audiência. Original e terrivelmente sentimental, o filme ressignifica a produção de terror autoral no cinema brasileiro ao jogar pelas próprias regras.

A sessão de 18 de outubro, realizada no Reserva Cultural, contou com presença do diretor, elenco e equipe, com bate-papo muito acalorado e rico em detalhes ao fim da exibição (Foto: Cine Reserva)

A obra de Marchetti, marcada por estudos de personagens outrora vistos como deformados ou quebradiços, responde os preditos com dignidade e respeito às figuras que adula e observa. Em Labirinto, um jovem qualquer torna-se avatar de uma odisseia desvairada, sem saber quem encontrará na próxima esquina, no próximo match ou na porta entreaberta que invade seus sonhos.

Nestes momentos, o diretor brinca com a ilusão etérea e tragicômica do mundo dormente, filmando sexo, suor e desejo na chave da fantasia. Os movimentos de penetração são tão ou mais importantes que qualquer ação do mundo terrestre, expressando num bate-estaca corpóreo cada fibra de amor, tesão e medo que habita os homens ali dispersos. E a narração de Tuna Dwek dá conta do arremate crepuscular. 

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