Hacks tramita além do arco-íris em hilária terceira temporada

Na calmaria antes da guerra, comédia com Jean Smart encontra vitalidade no processo de amadurecer

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Deborah (Jean Smart) e Ava (Hannah Einbinder) não se falam há quase um ano. A briga feia, que terminou com a cisão da amizade e parceria profissional, porém, rendeu bons frutos para as duas. A veterana deslanchou com o especial de comédia, ganhando a nação com seu carisma e star power. A novata foi contratada por uma série de verdade, e agora assina roteiros e tem o cargo de co-produtora. Quando a 3ª temporada de Hacks começa, elas precisam se reencontrar.

Ava, que agora divide a vida e a casa com a namorada Ruby (Lorenza Izzo), tem a chance de viajar à Islândia enquanto ela grava a nova sensação adolescente supernatural para uma rede qualquer de TV. Deborah, com dois novos roteiristas que não ligam lé com cré, tem a chance de realizar um sonho de décadas: ser a apresentadora do programa noturno. Oportunidade que lhe foi negada tanto tempo atrás, e momento em que nasceu parte da amargura e do rancor que carregou ao longo da carreira.

Papel do co-criador de Hacks, o Jimmy de Paul W. Downs ganha momentos de tirar o fôlego, em especial nas partidas esportivas, nas visitas a velhinhos caducos e na relação cômica com Kayla (Meg Stalter) [Foto: Max]

Papo vai, papo vem: Ava não quer olhar na cara da ex-chefe, e precisou de terapia para processar o “término”, já que o contato e o convívio acabaram de uma hora para outra. A lenda da comédia, como de praxe, não se vê afetada nem um pouco, e vive sua agenda de autógrafos, aparições e muitas palmas com plenitude. Venha para o Brasil, grita um fã para ela. Ao que sorri, “acho que vou mesmo, as pessoas ficam me pedindo!”.

Ela está famosa nesse nível, é. A segunda temporada, que fechava sua rodagem em notas agridoces e com cara de “fim de novela”, demorou a ter uma continuação. Tanto pela greve dupla que paralisou Hollywood no ano passado, quanto por questões pessoais. Smart, depois de perder o marido durante as gravações do ano inicial de Hacks, teve que tratar de um câncer. A doença sumiu, mas foram precisos alguns meses de descanso longe dos sets de gravação.

Entre o elenco convidado, destacam-se as participações de J. Smith-Cameron, Jane Adams, Helen Hunt, Christina Hendricks, Christopher Lloyd e o sempre cafajeste Christopher McDonald (Foto: Max)

Quem assiste desavisado, por outro lado, nem percebe mudança alguma. Hacks sacode para longe a percepção de cansaço ou esgotamento, fazendo de sua terceira temporada a melhor até então. Tem muito do humor autodepreciativo e às avessas do passado, mas o time de criadores injeta humanidade e doses consideráveis de tristeza e questões mais brutais da vida. Para Deborah, o tempo está acabando, e ela quer aproveitar tudo até o final.

Para isso, a possibilidade de apresentar o programa vira uma meta a ser alcançada, e Jean Smart joga o bate-bola com todos os coadjuvantes que aparecem em cena. Ela puxa o saco de executivos, ri das piadas idiotas de velhos conhecidos e até visita a casa de reabilitação da filha DJ (Kaitlin Olson), que ganha momentos de gargalhar até doer a barriga, especialmente no capítulo do Roast e no Chá de Revelação de seu bebê.

Pela maturidade das personagens e dos roteiristas, Hacks equipara ainda mais as posições de Deborah e Ava, rendendo trocas inéditas e distintas das presentes até então. Deixe de lado a teimosia e o morde e assopra que dominou a dinâmica da dupla, para um retrato mais sutil e carinhoso de uma para a outra. Em One Day, episódio em que se perdem na floresta e precisam ativar os instintos de sobrevivência, as amigas e parceiras mostram lados escondidos até de si mesmas.

Em apenas 9 capítulos, um a menos que os habituais para as temporadas anteriores, o novo ano de Hacks foca na investida de Deborah, deixando de lado a trama de Marcus (Carl Clemons-Hopkins), fiel escudeiro da comediante [Foto: Max]

E se o assunto é o passado como vitrine do presente, a temporada finalmente traz ao palco a irmã de Deborah, Kathy (J. Smith-Cameron). Figura maligna na mitologia da comediante, a mulher aparece no Natal e protagoniza a briga mais amargurada, seguida de uma reconciliação que não apenas soa natural, mas também muito bem-vinda. “A mãe não gostaria disso”, confessa Kathy. E Deborah concorda.

Uma megera não evolui, não pensa nos outros e nem se preocupa em melhorar. Deborah Vance é o oposto disso, ela é um hack por natureza que, no encontro de outro tipo de seu bando, ganhou perspectiva, atenção e um lugar de cuidado e zelo. Sem esquecer da troca de farpas, as piadas envolvendo as mãos de Ava e, claro, a sinergia que dinheiro nenhum compra. Juntas, as protagonistas de Hacks tem tudo para ascenderem, e depois brigarem, se xingarem, fazerem as pazes e ajudar-se nas mais banais tarefas. Tudo bem balanceado e sarcástico, como as melhores coisas da vida. 

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